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As reformas de Temer podem quebrar a Previdência

Escrito po: Eduardo Fagnani

11/04/2017

Em um cenário de baixo crescimento, a explosiva combinação das mudanças trabalhistas e previdenciárias derrubará as receitas do INSS

 

* Texto publicado em Carta Capital – 04/04/2017

 

Combinadas, a reforma da Previdência (PEC 287/2016), a terceirização irrestrita recém-sancionada por Michel Temer e a reforma trabalhista (Projeto de Lei 6.787/2016) que tramita no Congresso Nacional poderão quebrar o Regime Geral da Previdência Social (RGPS) e muitas Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC).

 

Somente a reforma da Previdência tende a excluir uma enorme massa de contribuintes, com reflexos dramaticamente negativos sobre as receitas do setor. A exigência de 65 anos de idade e 49 anos de contribuição (para a aposentadoria “integral”) menospreza a realidade do mercado de trabalho, cujas estatísticas revelam que não serão cumpridos sequer os 25 anos de contribuição da aposentadoria parcial: 79% dos trabalhadores que se aposentaram por idade contribuíram por tempo inferior a 24 anos.

 

Em função da rotatividade do emprego, o trabalhador com carteira assinada da iniciativa privada (cerca de 50% do total) contribui, em média, durante apenas nove meses por ano. Nesse ritmo, para cumprir a regra atual de 15 anos de contribuição (180 contribuições mensais) são necessários mais de 20 anos; e para cumprir a regra de 25 anos (300 contribuições mensais), prevista na PEC 287/2016, serão necessários mais de 33 anos.

 

Observe-se que cerca da metade (40 milhões) de trabalhadores no setor privado têm empregos sem carteira assinada, já não contribuem para a Previdência Social e não terão proteção na velhice. Nas regiões mais pobres do país, a informalidade é superior a 60%, chegando a 75% no Maranhão. Estudos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) revelam que o emprego precário é maior entre os jovens de 15-19 anos (64%) e pessoas com mais de 59 anos, atingindo 70% na faixa entre 65-69 anos.

 

O trabalhador rural não tem condições de contribuir mensalmente, como determina a PEC 287, ignorando as condições de vida no campo e a realidade do regime de safras da agricultura familiar. Os jovens serão desmotivados a aderir ao sistema público, pois, para ter a aposentadoria “integral” aos 65 anos, eles precisam entrar no mercado de trabalho com 16 anos, permanecer no emprego com carteira de trabalho assinada e contribuir, ininterruptamente, durante quase meio século.

 

Um médico formado com 27 anos, só cumprirá esse requisito para obter aposentadoria “integral” aos 76 anos. Por que pagaria um carnê mensal de 600 parcelas, para quando tiver 76 anos, caso viva até essa idade, receber uma aposentadoria de no máximo 5 mil reais? Parcela expressiva dos brasileiros tendem a ser expulsos precocemente do mercado de trabalho, em decorrência de doenças crônicas que os incapacitam para as atividades laborais.

 

Em função do marketing negativo da Previdência pública e apologético da Previdência privada, os 20% que conseguem contribuir durante 25 anos e mais, tendem a migrar para planos ofertados pelo mercado. Dados da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprev) revelam que os investimentos das carteiras dos planos privados de aposentadoria cresceram 38,5% entre outubro de 2015 e outubro de 2016. Essa migração tende a se intensificar nos próximos anos.

 

Portanto, basta a Reforma da Previdência, para desmotivar a adesão ao sistema público, expulsar atuais contribuintes e incentivar a migração para a Previdência privada. Todas essas possibilidades terão consequências gravíssimas na quebra da arrecadação do RGPS, comprometendo a sobrevivência do sistema.

 

Terceirização e Previdência

 

O efeito da PEC 287 é explosivo se combinado com a terceirização irrestrita recém-sancionada pela presidência da República. Observe-se que de um total de 79 milhões de empregos no setor privado, apenas cerca de 36 milhões têm carteira assinada com contribuições contínuas e regulares para a Previdência.

 

O sociólogo Ruy Braga (USP) sustenta que a terceirização poderá promover uma inversão estrutural no mercado de trabalho: “em cinco, sete anos o total de terceirizados pode chegar a 75%", o que seria “um desastre” para as contas públicas, afirmou em recente entrevista ao jornal Valor.

 

A queda da receita advém da transformação de um número grande de trabalhadores com carteira assinada em Pessoas Jurídicas ou Empreendedores Individuais, cujas alíquotas, incidentes sobre o valor mínimo, são 50% menores que as praticadas num vínculo trabalhista registrado em carteira. Além disso, a terceirização tende a rebaixar os salários. Estudo do Dieese destaca que a remuneração nominal média nas atividades terceirizadas é 25% inferior à praticada nas atividades formalizadas.

 

Outros impactos negativos sobre as receitas previdenciárias são a maior rotatividade dos empregos terceirizados (o dobro dos empregos formais) e o menor tempo médio de duração do vínculo de emprego (metade das contratações formais). Longos períodos de desemprego e o exercício de atividades precárias reduzem o fluxo contínuo de receitas previdenciárias e prolongam o período contributivo, limitando ainda mais as possibilidades de o trabalhador cumprir sequer 25 anos de contribuição. 

 

A empresa terceirizada poderá subcontratar outras empresas ("quarteirização") e tende a afastar o trabalhador do acesso a direitos como 13º salário e férias, sendo facultativa a oferta de serviços de saúde, transporte e alimentação aos empregados, o que incentiva a demissão de funcionários recontratados na sequência como terceirizados.

 

Além de pagarem menores salários, as empresas terceirizadas tendem a pagar menos imposto, abrem e fecham com facilidade e, em muitos casos, recolhem tributos dos trabalhadores e não repassam para os órgãos do governo.

 

A “falência” programada é prática corrente de grande parte das empresas contratadas pelo setor público, sobretudo nos períodos que antecedem o encerramento do contrato. Mais grave é que a lei sancionada não prevê a obrigatoriedade de a empresa contratante fiscalizar a terceirizada no cumprimento das suas obrigações trabalhistas e previdenciárias.

 

Atrasos no pagamento ou desrespeito à legislação trabalhista são deveres exclusivos da terceirizada, sendo que a “responsabilidade subsidiária” da contratante é acionada apenas na ausência da prestadora, em razão de falência, por exemplo. No caso da União, o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou de decidir que não há “responsabilidade subsidiária” por débitos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa terceirizada.

 

Ao contrário do senso comum, a terceirização induz ao desemprego, posto que jornadas de trabalho mais longas (85,9% dos vínculos nas atividades terceirizadas possuem jornada de 41-44 horas semanais contra 61,6% nas atividades formais) tornam novas contratações desnecessárias. Por outro lado, os afastamentos por doenças profissionais e acidentes de trabalho são maiores nas atividades terceirizadas (o dobro, em alguns casos), o que implicará aumentos nas despesas previdenciárias.

 

Reforma Trabalhista e Previdência

 

Outra ameaça contra as contas da Previdência é a reforma trabalhista (Projeto de Lei PL 6.787/2016) que tramita no Congresso Nacional. Como se sabe, esse projeto de lei atinge a espinha dorsal da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), alterando radicalmente o sistema de relações de trabalho no Brasil. O princípio de que “o negociado prevalece sobre o legislado” poderá induzir contratações em patamares inferiores aos estabelecidos pela legislação, fazer retroceder direitos, minar a representação sindical e limitar a atuação da Justiça do Trabalho.

 

Nesse contexto, o Projeto de Lei amplifica os vínculos flexíveis, pelo reforço das possibilidades de contratação de empregado temporário aproximando-o da contratação do empregado com contrato por prazo determinado para atender alterações sazonais na demanda por produtos e serviços. O trabalho temporário terá prazo majorado para 120 dias e poderá ser exercido em regime de tempo parcial (30 horas), abrindo-se a possibilidade de pagamento de 6 horas extras semanais que serão compensadas por “banco de horas”.

 

Essas mudanças também incentivam a demissão de trabalhadores com carteira assinada, recontratados, posteriormente, como temporários. Essa prática também amplia a rotatividade do emprego e rebaixa o salário, o que tem consequências na redução das receitas previdenciárias, seja pela redução da massa salarial, seja pela descontinuidade das contribuições dos trabalhadores, o que dificultará a comprovação dos 25 anos de carência para o acesso ao benefício.

 

Essa combinação explosiva, num cenário de baixo crescimento econômico – que deverá ser perpetuado com os ensaios de redução da meta da inflação para 3,5% – derrubará as receitas previdenciárias, e há risco real de o RGPS quebrar.

 

O exemplo do México – que nos anos de 1990 implantou todas as reformas neoliberais exigidas pelo mercado, incluindo a previdenciária e a trabalhista – pode iluminar o futuro que está sendo desenhado para o Brasil. Por conta da elevada informalidade do mercado de trabalho, a maioria da população economicamente ativa não contribui para o sistema, 77% dos idosos não têm cobertura previdenciária e a pobreza alcança 39% da população.

 

Alternativa à “mexicanização” do Brasil que está em curso exige que se reforce o papel da Previdência como poderoso instrumento de proteção e de desenvolvimento social e econômico. O crescimento da economia é a via para equilibrar as finanças do setor no longo prazo, gerar empregos, elevar a renda do trabalho, reduzir o desemprego e a informalidade e, assim, ampliar a massa salarial, o faturamento e o lucro das empresas que financiam a Seguridade Social e, por consequência, a Previdência.

 

Com isso, poderíamos enfrentar o desafio de incluir no mercado formal de trabalho cerca de 40 milhões de trabalhadores (quase 50% do total) que, estão à margem, não contribuem para a Previdência e não terão proteção na velhice. Hoje, esse contingente é quase da mesma magnitude do número de idosos que teremos em 2060.

 

A incorporação desses novos contribuintes é uma das alternativas técnicas disponíveis para se enfrentar a questão do envelhecimento e seus impactos na Previdência no longo prazo. A questão central é que o Brasil não dispõe de modelo de desenvolvimento adequado para enfrentar as demandas sociais da democracia no século 21.

 

 

 

Eduardo Fagnani, professor de Economia da Unicamp

 

 

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