CNTSS > ARTIGOS > ASSÉDIOS MORAL E SEXUAL: UM ESPELHO DAS RELAÇÕES DE OPRESSÃO NA SOCIEDADE
10/10/2014
O sistema de produção capitalista presente em nossa sociedade é ainda mais vil quando se trata da exploração contra a mulher. Além das formas de apropriação da mais-valia, em todas as suas variáveis, a mulher ainda sofre com o não reconhecimento e, portanto, desvalorização de sua capacidade produtiva. No mercado de trabalho é óbvia a desqualificação da produção feminina por meio de salários mais baixos, da multiexploração, das parcas oportunidades de ascensão na carreira, da cobrança sempre maior sobre os resultados do trabalho, entre tantas outras maneiras de exploração.
A constatação destas condições não significa um quadro de resignação ou de fragilidade da mulher. Ao contrário, demonstra as muitas lutas que são travadas cotidianamente para que a mulher possa ter os seus méritos reconhecidos. As múltiplas jornadas de trabalho feminino, nos espaços de produção e doméstico, são apresentadas às mulheres como fato normal ao seu lugar social, uma meritocracia às avessas. Fato que não ocorre com o homem, que na grande maioria das vezes atua apenas no espaço de produção, deixando o campo familiar para a companheira dar conta.
Tomando como foco de nossa discussão o mundo do trabalho, sem que isto incorra, obviamente, em qualquer menosprezo aos elevadíssimos números que ainda marcam a violência contra a mulher, vemos que ainda persiste, apesar dos esforços individuais e coletivos das mulheres em suas inúmeras lutas diárias, a infame constatação de que vivemos em uma sociedade em que a violência moral e a sexual no ambiente de trabalho não são fenômenos novos e, ao contrário, encontram-se cada vez mais presentes no espaço organizacional. São, sem dúvida, as formas mais corriqueiras de violência relatadas por mulheres.
Um espelho das relações de opressão na sociedade
É sobre estes fatos que nos debruçaremos mais atentamente. Reiteramos que ambos os casos são formas de violência extrema contra a mulher, não exclusivamente, mas em sua absoluta maioria. Caracterizam-se por apresentarem-se dentro de uma dualidade que reflete o papel social do opressor e do oprimido, ou mais objetivamente agressor e vítima. Ou seja, um espelho das relações de opressão presentes na sociedade e que se reproduzem fortemente no espaço laboral.
Assim como o assédio sexual, o moral é uma forma de violência, sendo observada por fenômenos de perseguição manifestados no ambiente de trabalho e fora dele. Há legislações que classificam e autuam mais expressivamente no campo do assédio sexual, inclusive com o código penal prevendo punições, porém o assédio moral ainda tem ações e legislações tênues que atentam sobre o problema, mas não apresentam soluções diretas e objetivas.
O assédio sexual no ambiente de trabalho não é uma situação recente, mas, a partir da luta por emancipação feminina, hoje é mais exposto e combatido. Sua manifestação, por meio de olhares maliciosos, observações sexistas, propostas amorosas, palavras, gestos, piadas, presentes, investidas com conotações sexuais são alguns exemplos desta prática. Trata-se de um ato concreto e gravíssimo de violação do direito da pessoa na mesma relação de trabalho que a outra. Um ato unilateral realizado pelo assediador com vistas a conseguir seu propósito sobre a sua vítima. Sem dúvida, uma forma de abuso de poder.
No Brasil já existe lei que penalize esta forma de tratamento. Conforme cartilha “Assédio Moral e Sexual no Trabalho”, do Ministério do Trabalho e Emprego, “a lei n 10224, de 2001, introduziu no Código Penal a tipificação do crime de assedio sexual, dando a seguinte redação ao art. 216-A: constranger alguém com intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício, emprego, cargo ou função. A pena prevista é de detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos.”
Assédio moral: atitudes que vitimizam
O assédio moral, por sua vez, acarreta um processo de deturpação das condições de trabalho e, consequentemente, de prejuízo aos direitos e dignidade de quem é vítima, sendo capaz, inclusive, de alterar sua saúde física ou mental. É considerado um processo de tortura psicológica que se repete e que é quase sempre prolongado, outra forte característica desta arbitrariedade. Uma perseguição que vai fragilizando suas vítimas e termina por destruir as resistências psicológicas.
É mais comum ser observado no âmbito do trabalho, mas casos analisados demonstram que também pode ocorrer no espaço familiar. Na esfera produtiva é classificado como horizontal, quando ocorre sem distinção hierárquica entre os iguais; e vertical, quando se dá envolvendo relações hierarquizadas de mando e poder. São comportamentos injustos capazes de fragmentar a autoestima da(o) trabalhadora(o).
Estudiosos do tema consideram que este tipo de violência pode se dar através de "gestos, palavras, escritos, comportamento, atitudes, entre outras maneiras; porém todas de forma intencional e permanente buscando ferir a dignidade e a integridade física ou psíquica. Apontam alguns exemplos de conduta: instruções confusas e imprecisas à(ao) trabalhadora(o); dificultar o trabalho; atribuir erros imaginários à(ao) trabalhadora(o); exigir, sem necessidade, trabalhos urgentes; sobrecarga de tarefas; ignorar a presença da(o) trabalhadora(o), ou não cumprimentá-la(o) ou, ainda, não lhe dirigir a palavra na frente dos outros, deliberadamente; fazer críticas ou brincadeiras de mau gosto à(ao) trabalhadora(o) em público; impor horários injustificados; retirar-lhe, injustificadamente, os instrumentos de trabalho; agressão física ou verbal, quando estão sós o(a) assediador(a) e a vítima; ameaças; insultos; isolamento.”
Invisibilidade que deixa marcas
Atualmente o assédio moral é um dos maiores problemas enfrentados. Mesmo com sua condição de “invisibilidade”, tende a ser combatido com mais ênfase no ambiente organizacional. A vítima deste tipo de violência sente-se isolada de seus pares e frequentemente inferiorizada e ridicularizada. É preciso identificar estas condutas para que sejam combatidas e corrigidas. É preponderante que a vítima e o opressor tomem ciência desta relação inadequada e que haja uma ruptura drástica desta forma de relacionamento.
Tendo em vista uma economia globalizada, competitiva e cada vez mais predatória, as situações desta natureza despontam com mais facilidade. Neste modelo social, as consequencias violentas vitimizam preferencialmente as mulheres. São elas que são mais cobradas. No aspecto comportamental, as mulheres também estão sempre em maior evidência e são enquadradas em parâmetros impostos pela sociedade. Quando estão em disputa no mercado de trabalho, as mulheres devem responder por seu estado civil e até o número de filhos que possui. Todos estes elementos interferem na conquista profissional quando se trata da mulher.
Os estudiosos do tema observam que em muitos casos o assédio moral passa a existir quando a mulher não corresponde ao assédio sexual. Há casos, inclusive, que a mulher assume para si a culpa por um problema que lhe foi imputado por outro. O mal proveniente destas relações distorcidas tende a ser “irreversível e causador de paranoia, psicose maníaco-depressiva, fragmentação psíquica e desequilíbrio emocional”. O assédio moral causa o desequilíbrio do assediado em detrimento do controle por parte do opressor.
Um caminho a ser percorrido
Tanto o assédio moral quanto o sexual são formas de dominação. Como tal, devem ser combatidos não apenas individualmente, mas coletivamente. A vítima deve compreender que não é responsável por estas reações e, por conseguinte, deve desmistificar o processo de forma racional e atuar para sua solução. O mesmo deve ser assumido pelo conjunto de pessoas que transitam sobre este ambiente. O processo de exclusão precisa ser revertido pelo coletivo.
A violência atinge a mulher independentemente de seu país, idade, cor e classe social. As entidades sindicais têm um papel preponderante de denúncia e de combate contra estas práticas. A defesa das vítimas é um ponto crucial para que os efeitos nocivos sejam combatidos e não causem transtornos definitivos. É adequado incentivar políticas que reconheçam a violência contra a mulher não como um problema individual, mas como sendo público e político, também relacionado ao mundo do trabalho.
Democratizar o debate sobre este tema é ferramenta importante para combatê-lo. O universo sindical deve ser o primeiro a levantar esta bandeira de luta. Trabalhar com campanhas de sensibilização e informação sobre os mecanismos que levam à violência contra a mulher é uma forma incentivar o debate em toda a sociedade. Além destas iniciativas, as direções sindicais devem ter uma postura mais contundente ao incentivar a promoção da proteção contra estas práticas de assedio nos acordos coletivos.
Célia Regina Costa é secretária Geral da CNTSS/CUT – Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social
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