Diálogo Social como ferramenta da luta dos trabalhadores
Publicado: 17 Junho, 2013 - 15h50
A 102ª Conferência Internacional do Trabalho, que acontece de 5 a 20 de junho, em Genebra/Suíça, está sendo, sem dúvida nenhuma, um acontecimento de real importância nas discussões contemporâneas sobre o mundo do trabalho. A OIT – Organização Internacional do Trabalho acerta mais uma vez por propor um debate amplo observando os atuais dilemas com um enfoque propositivo de construção de estratégias que garantam os direitos da classe trabalhadora e que apontem saídas para a crise mundial, dentro da perspectiva do trabalho e de suas relações de produção econômica e social.
A atual crise mundial do capitalismo coloca em xeque não apenas a estrutura na qual é moldado todo o modo de produção e de distribuição de riquezas, mas também transcende ao caráter social deste processo, como exemplos, a hierarquização das relações entre capital x trabalho, os mecanismos autoritários de manutenção do status quo das classes dominantes, as diferenças entre Nações desenvolvidas e em desenvolvimento, entre outros, além do próprio papel do Estado. Uma crise que agrava a miserabilidade de um contingente cada vez maior de trabalhadores por todo o mundo.
A própria agenda da Conferência, ampla em sua elaboração, aponta os desafios mais urgentes para os países e a classe trabalhadora, quais sejam: emprego, o crescimento e o progresso social, o trabalho infantil doméstico, o emprego e a proteção social em um mundo em processo de envelhecimento, o fortalecimento do diálogo social entre governos, empregadores e trabalhadores e a promoção de empregos verdes e decentes.
Uma gama de assuntos centrados em três principais eixos: “Emprego e proteção social no novo contexto demográfico”; “O desenvolvimento sustentável, o trabalho decente e os empregos verdes”; e “Diálogo Social”. Este último, em particular, cabe aqui uma reflexão maior, sem que isto coloque os demais itens em situação de menor importância.
Está posto pela organização da Conferência o debate sobre “as tendências, os desafios e as oportunidades relacionadas com os atores e as instituições de diálogo social através de uma avaliação das diversas realidades e necessidades que existem no contexto da globalização”.
Cabe, então, uma breve contextualização sobre o conceito de “Diálogo Social” estabelecido pela OIT. Trata-se de uma condição que não se exclui os antagonismos inerentes às relações de disputa presentes na sociedade, mas que, a partir deles, os atores sociais buscam fazer valer seus direitos e influenciar nas decisões, de forma a estabelecer certo equilíbrio entre os interesses colocados no processo, seja no campo institucional, seja no mundo do trabalho.
Assim, de forma propositiva, trabalhadores, governos e empregadores devem dialogar sobre as decisões a serem tomadas no âmbito do emprego e do trabalho, englobando todos os tipos de negociações, consultas e trocas dentro da perspectiva do desenvolvimento econômico e social. Um diálogo que pode ser bipartite (trabalhadores e empregadores) ou tripartite (quando inclui governos).
O “Diálogo Social” tem sido um princípio fundamental em quase todas as Convenções da OIT. Para que se consolide um processo verdadeiramente eficaz entre as partes, é necessário que se estabeleça o debate garantindo os direitos fundamentais no trabalho, com liberdade sindical, de associação e de negociação coletiva; igualdade de renumeração e oportunidades entre homens e mulheres, combate ao trabalho infantil e ao trabalho escravo.
Ainda no campo da negociação tripartite, destaca-se a fomentação do pleno emprego, observação das políticas de Seguridade Social e saúde, no campo empresarial e nacional, respeito ao trabalhador migrante, política de salário mínimo e de seguridade social ampla. Esta forma é apresentada pela OIT como uma das soluções para o enfrentamento da crise por meio de políticas e soluções justas. São nestes momentos que os mecanismos de “Diálogo Social” e negociação coletiva são imprescindíveis para o encontro de soluções que não afetem negativamente os trabalhadores nem a sociedade.
Uma reflexão sobre o caso brasileiro
Dentre os atores sociais ligados à classe trabalhadora brasileira, destaca-se a CUT - Central Única dos Trabalhadores como uma central sindical democrática, combativa e verdadeiramente representante dos trabalhadores. A CUT, criada em 1983, ainda sob o domínio da ditadura militar que ocorreu de 1964 a 1985 no Brasil, tem como compromisso a defesa dos interesses dos trabalhadores da cidade e do campo, dos setores público e privado, ativos e inativos. Hoje a Central está presente em todos os ramos da atividade econômica do País, com mais de 3,4 mil entidades filiadas.
A trajetória da CUT, desde o processo que resultou em sua criação, pautou-se pela construção e consolidação de um sindicalismo classista, autônomo e democrático. Está entre suas diretrizes a luta em defesa da liberdade e autonomia sindical. Para tanto, “prega a independência frente ao Estado, governos, patronato, partidos e agrupamentos políticos, credos e instituições religiosas e a quaisquer organismos de caráter”.
O fortalecimento da democracia, o desenvolvimento com distribuição de renda e valorização do trabalho são marcos estratégicos da CUT. A luta pela universalização dos direitos, bandeira histórica, é cotidianamente reafirmada com a participação ativa da Central na construção de políticas públicas e afirmativas de vários setores e segmentos da sociedade. Estas ações têm garantido e ampliado a participação da CUT em vários espaços importantes de negociação.
Além de salário, emprego e estrutura de trabalho, o movimento sindical progressista cobra dos governos mecanismos de participação efetiva nas decisões sobre políticas públicas e garantia de financiamento, consolidando, desta forma, o Estado como prestador de serviços públicos de qualidade para a população.
A CUT tem buscado nestes seus 30 anos de existência ampliar permanentemente as formas de participação e de diálogo da classe trabalhadora dentro da estrutura social brasileira e internacional. Como interlocutora dos trabalhadores, pôde acompanhar a evolução das relações entre governo federal, a partir das vitórias de governos democráticos e populares iniciadas em 2003, mas não poupa esforços para que esta relação, hoje mais democrática e transparente, possa acontecer nas demais esferas de governo.
Esta nova correlação de forças permitiu avanços nos processos de negociação trabalhistas e na adoção, por parte do governo brasileiro, de políticas públicas fundamentais para a classe trabalhadora. O papel de interlocução não elimina o caráter reivindicatório e de luta deste processo, nem tampouco elimina as possíveis diferenças de opiniões entre governo e trabalhadores.
Em seu texto base do 11º Concut, a CUT deixa claro seu projeto: “Consideramos uma concepção de desenvolvimento tendo como centro o trabalho, a ampliação do papel redistributivo do Estado e lutamos por uma política econômica ousada que, articulada às demais políticas públicas, oriente o país a alcançar elevadas taxas de crescimento com sustentabilidade ambiental; amplie o papel redistributivo do Estado; eleve a qualidade da educação; reduza a pobreza; a desigualdade de renda; as disparidades regionais e implemente um forte sistema de proteção social.” (...).
A Seguridade Social, vista nesta concepção de luta, está circunscrita dentro do conceito de direitos universais e, consequentemente, também da práxis social que possibilita a constituição e a consolidação destes direitos. É um direito de todos o acesso à Seguridade e um dever do Estado prover as condições estruturantes para sua realização.
A Convenção 102 da OIT, de 1952, já dava as bases para a Seguridade neste sentido de direito humano, assim como atribuía as funções do Estado para sua manutenção. No modelo defendido pela CUT e pelo conjunto dos trabalhadores, a Seguridade Social se consolida na universalização, oferta de serviços pelo Estado e manutenção dos direitos trabalhistas e sindicais.
Nos últimos anos, o governo brasileiro tem adotado posturas progressistas ao se tornar signatário de Convenções da OIT. As mais diretamente ligadas ao campo de lutas do serviço público são as Convenções nº 151, sobre “Direito de Sindicalização e Relações de Trabalho na Administração Pública”, e de nº 154, sobre “Fomento à Negociação Coletiva”. O movimento sindical pôde comemorar o fato do Brasil se tornar signatário da Convenção 151 da OIT.
Uma conquista histórica conseguida com muita mobilização dos trabalhadores. Agora, como consequência deste avanço, está em pauta a regulamentação desta medida. Em março deste ano, a presidenta da República, Dilma Roussef, assinou o Decreto 7.944 que promulga esta Convenção e a Recomendação nº 159 da OIT sobre as relações de trabalho no serviço público.
A CUT mantém a bandeira da negociação coletiva no serviço público envolvendo as três esferas de governo – Federal, Estaduais e Municipais – desde o início, com a finalidade de garantir para os servidores os mesmos direitos dos trabalhadores que atuam na iniciativa privada.
Os governos devem compreender que as novas relações de trabalho pressupõem ampliação de direitos, e um deles, considerado básico, é o da negociação coletiva para o funcionalismo. Esta é uma ferramenta importante de mobilização, gestão e de qualificação do serviço público. Sua regulamentação contribuirá com a democratização do Estado, por destacar o direito à sindicalização e definição das condições de emprego no serviço público.
Desafios do Diálogo Social
O diálogo e a negociação são princípios que a Central sempre defendeu. Na esfera do serviço público é necessário que os governos entendam e criem os mecanismos necessários para o processo de negociação coletiva. Para tanto, é preciso ver o servidor como agente capacitado para implementar e executar as políticas públicas dentro dos padrões reais de exigências que permitam um atendimento cada vez mais qualificado os usuários dos sistemas de serviços públicos.
No entanto, para haver "Dialogo Social" é preciso, no caso da negociação coletiva no serviço público, observar algumas primícias:
a) investir em formação, dando condições para o aprimoramento permanente dos servidores públicos. Não desprezar aqueles que possuem conhecimento prático e desempenham seu papel com todo o profissionalismo e capacitação técnica que o serviço público merece;
b) uma nova postura deve ser assumida pelos governantes. Cabe aos gestores públicos compreenderem o caráter técnico e profissional da relação com os servidores. Na prática, são empregadores como os do setor privado, com deveres e obrigações frente aos trabalhadores. Pelo fato de cada gestão ser passageira, não podemos deixar de lado os direitos dos trabalhadores.
A partir desta postura, será possível construir um canal de diálogo que represente verdadeiramente uma ação de comunicação eficiente entre as partes envolvidas. O que vimos hoje, em sua grande maioria, são práticas de “conversação” e não de “negociação” efetiva entre os trabalhadores e os gestores públicos.
Para que haja de fato um Dialogo Social é preciso que os governos e empregadores reconheçam, respeitem e, principalmente, cumpram as Convenções da OIT relacionadas a esta temática. Como exemplo, temos as seguintes Convenções: nº 87 (Relativa à Liberdade Sindical e à Proteção do Direito de Sindicalização), nº 98 (Relativa à Aplicação dos Princípios do Direito de Organização e de Negociação Coletiva), nº 144 (Relativa a Consultas tripartites sobre normas internacionais do Trabalho); nº 151 (Relativa à Proteção do Direito de Organização e aos Processos de Fixação das Condições de Trabalho da Função Pública) e nº 154 (sobre o incentivo à Negociação Coletiva).
Há ainda as Recomendações da OIT, que são ferramentas de destaque para a discussão deste tema. São elas: nº 91 (sobre contratos coletivos); nº 92 (sobre conciliação e arbitragem voluntária), nº 113 (sobre consulta e colaboração entre as autoridades públicas e as organizações de empregadores e trabalhadores nos ramos de atividade econômica e no âmbito nacional); nº 152 (sobre consultas tripartites para promover a aplicação das normas internacionais de trabalho e as medidas nacionais relacionadas com as atividades da OIT); nº 159 (sobre procedimentos para determinar as condições de emprego na administração pública) e nº 163 (sobre o fomento da negociação coletiva).
Portanto, para que de fato possamos instalar o Dialogo Social, tendo como premissa a Negociação Coletiva, é preciso observar o cumprimento das normas e Convenções que já temos ratificadas em nossos países, sem deixar de incluir o trabalhador como ator ativo e não passivo na tomada de decisões.
Lembrando que nesse dialogo social/negociação coletiva pressupõe-se que serão os interesses dos trabalhadores que deverão estar colocados no centro das discussões. O acúmulo das lutas dos trabalhadores já apontaram pontos desta pauta. As reflexões sobre o Trabalho Decente mostram caminhos que já foram diagnosticados como princípios importantes para nossas lutas. Assim, temos os principais eixos destas discussões: condições de trabalho, relações de trabalho, redução das desigualdades, fixação de salários, aumento de salários, acesso ao emprego, demissão ou permanência no emprego, previdência, férias, folga, aposentadoria, saúde do trabalhador, entre outros.
Maria Aparecida Faria
Secretária de Mulheres da CNTSS/CUT – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social e secretaria geral adjunta da CUT – Central Única dos Trabalhadores