CNTSS > ARTIGOS > MÉDICOS CUBANOS NO BRASIL: UM DEBATE PARA ALÉM DO CONTRA X O A FAVOR
21/05/2013
Recentemente o governo brasileiro anunciou convênio com Cuba para possibilitar a vinda de seis mil médicos para atender a população brasileira em localidades onde há carência destes profissionais. As negociações para o envio dos médicos cubanos para o Brasil foi iniciada pela presidenta da República Dilma Rousseff, em janeiro de 2012, quando visitou Havana, a capital cubana. Ela defendeu uma iniciativa conjunta para a produção de medicamentos e mencionou a ampliação do envio de médicos ao Brasil, para apoiar o atendimento no Serviço Único de Saúde (SUS).
Cabe ressaltar que também estão em curso negociações com outros países para vinda de médicos estrangeiros. Entre as oportunidades de atração de médicos analisadas pelo governo brasileiro destacam-se Espanha e Portugal, países com grande quantidade de profissionais qualificados e desempregados em razão da crise econômica. Além disso, consideram-se ainda profissionais de países cujo índice de médicos é maior que o do Brasil. Estão sendo estudados programas nacionais de atração de médicos estrangeiros do Canadá, Reino Unido, Austrália e Estados Unidos.
Segundo o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, trazer médicos estrangeiros não pode ser um tabu no Brasil diante de tantas experiências bem sucedidas. Enquanto no Brasil 1% dos médicos se formou no exterior, na Inglaterra esse índice é de 40% e nos Estados Unidos, 25%. Canadá e Austrália mantém índice de 22% e 17%, respectivamente.
O país hoje possui 1,8 médicos por mil habitantes, índice menor que o da Argentina, 3,2 médicos por mil habitantes, e Portugal e Espanha, ambos com quatro por mil. Segundo estudos do próprio Conselho Federal de Medicina, somente em 2021 o Brasil chegará próximo a 2,5. Ora, diante de uma realidade como esta, devemos esperar quase oito anos para ter menos de três médicos por mil habitantes?
Tão logo foi feito este anúncio as entidades médicas iniciaram uma verdadeira batalha contra esta medida, alegando que a iniciativa vai colocar em risco a saúde do povo.
Parece-nos estranho as críticas ao governo em atrair médicos estrangeiros entre eles cubanos, portugueses , espanhóis e o repudio ser somente em relação aos médicos cubanos. Será que somente os médicos cubanos precisam revalidar diploma?
As entidades médicas estão tão preocupadas com a qualidade do médico cubano, mas o que estão fazendo contra o grande negócio que se tornaram as faculdades caça-níqueis de Medicina?
O Conselho Federal de Medicina diz que a medicina de Cuba é de má qualidade, mas não explica por que a saúde dos cubanos, como muito menos recursos tecnológicos e com uma suposta inferioridade qualitativa, tem índices de saúde infinitamente melhores que a do Brasil e semelhantes à avançada medicina americana (dados da OMS). Em 2012 sua taxa de mortalidade infantil foi de 4,6 para cada mil nascidos vivos, a mais baixa da América Latina, e a materna de 21,5 para cada 100 mil, entre as menores em nível internacional. Ainda, em relação ao controle do vírus da AIDS, Cuba tem uma das menores epidemias do mundo, menos de 14.038 casos. Sua taxa de infeção é de 0,1%, um sexto da taxa registrada nos Estados Unidos e um vigésimo da registrada no Haiti.
Com base em experiências internacionais, o Ministério da Saúde avalia duas formas distintas de atração de médicos: a primeira, o médico faz o exame de revalidação de diploma e pode atuar em qualquer região do país. A segunda opção seria o médico entrar com autorização restrita para áreas com maior carência de médicos. Nesse caso, o visto de trabalho e registro profissional são restritos para atuar em determinada região e só na Atenção Básica, por exemplo. Está descartada para o governo federal qualquer medida de revalidação automática de diploma.
Em Portugal, na última leva, 60 médicos cubanos prestaram exame e 44 foram aprovados (73,3%). Os dados sobre o Revalida, exame brasileiro para médicos estrangeiros, revelam que no ano de 2012, de 182 médicos cubanos inscritos, apenas 20 foram aprovados (10,9%). Há algo de estranho em tamanha dissociação. Será que os médicos estrangeiros estão sendo avaliados corretamente?
Há relatos de que os componentes das Bancas examinadoras têm má vontade com o candidato, isso é prejulgamento antes da prova ter sido iniciada. Durante a prova são solicitadas, por exemplo, informações sobre detalhes anatômicos do pescoço que só interessam a cirurgiões de cabeça e pescoço. O médico de família não tem que saber todos os nervos e vasos que passam ao lado da laringe e da tireóide. O profissional tem que saber tratar diarréia, verminose, hipertensão, diabetes e colesterol alto.(Artigo “A questão da vinda dos médicos cubanos para o Brasil”, por Pedro Saraiva, medico brasileiro que atua em Portugal)
Entendemos que os argumentos das entidades médicas é carregado de uma ideologia da saúde como fonte de muito lucro, aponta preconceito e corporativismo extremado, perdem a oportunidade de fazer um debate comprometido de fato com saúde pública.
Enfim, o debate está instalado entre os contra e os a favor, mas ao nosso entender essa questão vai para além disso, é preciso debater a gestão do trabalho e da educação em saúde como um todo, a partir de um modelo em saúde que prioriza Atenção Primária como porta de entrada do sistema e o trabalho em equipe como fundamental.
Para Atenção Primária ser de fato a porta de entrada ela precisa ser resolutiva, sendo necessária uma clínica eficiente e eficaz, participação da equipe de saúde em toda linha de cuidados. Precisamos de mais profissionais de saúde generalistas e de menos especialistas.
Saúde altamente tecnológica e ultra especializada não diminui mortalidade infantil, não diminui mortalidade materna, não previne verminose, não conscientiza a população em relação a cuidados de saúde, não trata diarréia de criança, não aumenta cobertura vacinal, nem atua na área de prevenção.
Talvez para a lógica daqueles que pensam a saúde como mercadoria, o adoecimento grave dos usuários e necessidade de um atendimento de maior nível de complexidade e superlotação das emergências são situações que precisam ser mantidas porque significam uma fonte muito lucrativa.
A superlotação dos hospitais é uma consequência principalmente de uma Atenção Primária precária, que na maioria das vezes apenas se encaminha o paciente ao especialista.
Quando já é certo que necessitamos de mais médicos, é igualmente correto que a distribuição geográfica deve ser justa. Em 2011, dos quase 372 mil médicos registrados no Brasil, aproximadamente 209 mil estavam concentrados na Região Sudeste, e pouco mais de 15 mil na Região Norte, o cenário fiel da péssima distribuição no território nacional. Esta situação é semelhante para os demais profissionais da saúde.
De fato no Brasil faltam médicos, mas faltam também enfermeiros, psicólogos, farmacêuticos, técnicos de enfermagem, dentistas, dentre outros, mas essa ausência é de profissionais nos lugares mais longínquos, afastadas dos grandes centros, onde a população é a mais carente de políticas sociais.
Não se faz saúde sem médico, mas também não se faz saúde sem equipe multiprofissional atuando de maneira comprometida e solidaria.
A opção do Ministério da Saúde é tática no sentido de trazer médicos que estão preparados e têm compromisso com Atenção Primaria em lugares de carência destes profissionais, mas na verdade reflete uma falência/esgotamento de tentativas de fixar médicos no interior através do Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (PROVAB), em que o Ministério da Saúde oferece bolsa de R$ 8 mil para que médicos recém-formados trabalhem em Unidades Básicas de Saúde nas regiões mais carentes. Neste ano, 3.895 médicos estão atuando no programa, que conta com acompanhamento de universidades, especialistas e gestores de saúde. No entanto, o valor da bolsa repassado para enfermeiros e dentistas é bem menor.
Dos 3.800 médicos que aderiram ao PROVAB, cerca de 20% estão em municípios com população rural e pobreza elevada. As periferias dos grandes centros (regiões metropolitanas) também receberam 20% dos profissionais. Outras regiões prioritárias que contam com os médicos do PROVAB são: população maior que 100 mil habitantes (5%); intermediários (33%); população rural e pobreza intermediária (21%); e populações quilombola; indígena e dos assentamentos rurais (1%).
Acreditamos que há este esgotamento porque o próprio Ministério da Saúde precisa ir mais além do PROVAB e da vinda de médicos estrangeiros para o Brasil. É urgente uma política de valorização de igualitária de todos os profissionais de saúde. É urgente que o serviço social obrigatório seja implantado. Este serviço obrigaria os profissionais recém-formados por universidades púbicas ou por programas financiados pelo governo federal atuarem nas áreas longínquas e carentes por um determinado período.
Que venham políticas públicas voltadas para ao atendimento da saúde da população que está no interior do país!
Nelci Dias, Enfermeira, Especialista em Saúde Coletiva e Mestra em Gestão do Trabalho e da Educação
em Saúde pela Escola Nacional de Saúde Pública FIOCRUZ
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