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No Acampamento Lula Livre, o protagonismo da organização é das mulheres

23/04/2018

A força feminina está presente em todas as atividades da vigília em Curitiba: desde coordenação política, passando por comunicação, refeição, recepção das caravanas, até atividades culturais

Escrito por: CUT / RBA

 

As doações de alimentos chegam e saem sob a coordenação da agricultora Zenilda Lisboa Pereira. A produção das refeições tem a artesã Georgete Pinheiro de Oliveira como uma das responsáveis. Na tenda da comunicação, estão Zeni Pereira, Clarice Cardoso, Neudicléia de Oliveira. Atos, programação, recepção das caravanas que chegam ao acampamento Lula Livre, no bairro de Santa Candida, em Curitiba, também estão a cargo de mulheres.

 

Elas se revezam para atender às mais diversas demandas. "Isso tem sido uma verdadeira aula de política, é absurdamente empoderador estar aqui", define Clarice Cardoso, coordenadora de conteúdo da Agência PT. "Se o pessoal precisa de ajuda com assessoria para armar coletivas, a gente ajuda. Se precisa de ajuda pra comprar velas para os atos, a gente ajuda".

 

"Para levar doação, organizar o pessoal, ir em segurança para o acampamento do pernoite, a gente também ajuda. A gente é da comunicação, e a gente é da vigília. Somos megafones humanos", ilustra a jornalista.

 

"Nossa função é ajudar a manter essa vigília viva, o pessoal mobilizado, no que a gente puder, de todas as formas. E levar isso para quem está fora, amplificar as vozes que estão aqui. Essas pessoas têm voz, só que a sociedade não tá acostumada a dar ouvidos."

 

A secretária de Mulheres do PT-PR, Anaterra Viana, é uma das responsáveis por organizar a programação política e cultural do acampamento. "A maioria das coordenações de todos os nichos são protagonizadas pelas mulheres. E não apenas a gente está aqui carregando piano, mas participa das coordenações políticas, dos pensamentos, de tudo o que está sendo definido e decidido dentro do acampamento", afirma.

 

Para ela, esse protagonismo tem relevância desde o período pré-golpe, passando pela etapa em que a presidenta Dilma Rousseff sofreu o impeachment. "A gente esteve à frente das organizações e continua aí, à frente das comissões no acampamento e resistência, aqui e por todo país."

 

A estudante Ana Julia Ribeiro, 17 anos, também faz parte do acampamento Lula Livre. A estudante marcou sua liderança militante em outubro de 2016, após forte discurso em defesa da educação, na Assembleia Legislativa do Paraná, durante as ocupações das escolas estaduais no estado. Hoje, cursa Filosofia na Universidade Federal do Paraná (UFPR), Direito na PUC-PR e trabalha no Instituto de Defesa da Classe Trabalhadora, o Declatra.

 

"Essas mulheres, na linha de frente, que estão puxando o movimento, é que conseguem colocar em pauta todas as questões do identitarismo que a gente vem batendo. Elas fazem os debates LGBT, do feminismo, os debates da negritude em que a esquerda está tão carente", afirma.

 

Na luta desde sempre


Sandra Aparecida dos Santos tem 41 anos. Mãe de duas filhas – Laura, de 13 anos, e Aline, 19, que cursa teatro na PUC-PR, com 50% de desconto pelo ProUni –, é filha de assentados do MST. Aos 8 anos trabalhava como boia fria, aos 10 cuidava da casa e dos irmãos, aos 15 se tornou empregada doméstica.

 

Sua militância como mulher levou-a à executiva municipal do Partido dos Trabalhadores, em Curitiba. "Eu não podia estudar, mas minhas filhas podem. Foi muita luta para chegar aqui."

 

Ela lembra o papel das mulheres desde 2013, no protagonismo da luta, na organização, no diálogo com a sociedade, com os movimentos sociais. "E esse é um momento muito importante, pedagógico, de solidariedade, de discussão política com a sociedade, fazendo o contraponto desse golpe que está se finalizando dessa forma (com a prisão de Lula)."

 

Atuando na acolhida das caravanas, ela observa que a solidariedade do povo curitibano supera as expectativas. "Está sendo muito importante essa convivência do povo de Curitiba, dos urbanos, com as pessoas que vêm do campo, com o MST, que vêm do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), do movimento de mulheres."

 

Natural de Cantagalo (PR), Sandra está em Curitiba desde 1994. "Comecei a militar aqui nos movimentos sociais, em 1997. Minhas meninas aprenderam que estamos aí para fazer a luta e tem de ter essa contribuição em casa, tem de dividir tarefas, isso faz parte. Eu não estou lutando só por elas, mas por muitas pessoas, muitas crianças e elas despertaram isso também", ressalta.

 

"Então elas têm esse espírito de luta, elas têm a compreensão da importância desse momento que precisa fazer parte da formação política do nosso povo. Meu papel de mãe, de mulher, de lutadora é levar tudo isso para as filhas. Lula vale a luta e a gente precisa fazer com que família entenda isso e contribua", defende, lembrando que a atividade torna a rotina "bem puxada", porque ainda tem o trabalho e a vida pessoal para tocar.

 

"Mas a gente vai: chega tarde em casa, vai conversando e vamos contornando a situação conforme vai aparecendo. Faz parte."

 

Neudicléia concorda. Natural de Celso Ramos (SC), faz parte de uma família atingida pela barragem de Machadinho quando tinha 8 anos, e depois, novamente, em Campos Novos. Não por acaso, atua no MAB desde os 17. Agora vive em São Paulo e faz parte da direção nacional do movimento.

 

"Contribuo com a articulação na América Latina, no movimento de afetados por represas. Cresci dentro dos movimentos sociais. E isso me fez compreender o papel desses movimentos na sociedade e o meu papel como indivíduo e na coletividade. Na luta somos fortes, individualmente não somos nada."

 

No Acampamento Lula Livre, Neudi é uma das responsáveis pela coordenação da comunicação. "Buscamos difundir a mensagem política nesse momento histórico da sociedade brasileira, quando nós estamos defendendo o ex-presidente Lula, pelo ícone que ele se tornou para a população brasileira que reconhece todos os direitos sociais que avançaram nos governos petistas", diz.

 

"Junto com vários companheiros e companheiras, fazemos o contraponto do que é colocado pela mídia golpista."

 

Feminismo é transformador


Também integrante da coordenação do acampamento, Kenia dos Santos considera uma experência de muito aprendizado. Aos 23 anos, cursando o terceiro ano de Ciências Sociais na Universidade Federal do Paraná, sai das aulas direto para o acampamento, todos os dias. "Os movimentos sociais têm uma pluralidade gigantesca, e ter todos eles em conjunto num espaço não acontecia há muito tempo. Isso acontecia nas nossas conferências e hoje não temos nenhum espaço para isso.

 

Para ela, o acampamento acabou se tornando uma grande conferência pela democracia. "Pela liberdade do Lula. Isso é essencial pra gente, pra defender a democracia: não dá pra prender alguém sem provas. Se a gente quer acreditar nas instituições, elas têm de nos respeitar."

 

Filha de empregada doméstica e mãe solteira, natural de Fazenda Rio Grande, região metropolitana de Curitiba, Kenia ingressou na universidade pelo sistema de cotas. "Aqui na UFPR chegou um pouquinho mais tarde, em 2016, mas consegui realizar meu sonho de fazer um curso superior."

 

No acampamento, participa da organização da programação. "Como são muitas pessoas com pensamento crítico, todas querem dar sua contribuição. Então é um espaço bem plural e a gente vai tentando conciliar tudo isso, conseguir ter uma programação que dialogue com toda pluralidade dos movimentos sociais, pensar como a gente traz um pouquinho dessas realidades, e como tudo isso flui tranquilamente", explica.

 

"As mulheres estão na resistência e garantido que não saem daqui sem o Lula estar nos braços delas", reforça.

 

Entre os visitantes, elas também são maioria

 

A jornalista Sandra Nadário estava pela terceira vez no acampamento. Aproveitou o feriado de sol no sábado (21) e levou os filhos para que "entendam o momento que a gente vive".

 

"E hoje vim pelo lançamento do livro da Marcia Tiburi. Quero abraçá-la e dizer que as mulheres e as famílias têm de ler esse livro pra entender o papel da mulher no Brasil, respeitar e entender quem somos nesse mundo."

 

Para a artista plástica, escritora e professora de Filosofia, o protagonismo feminino não surpreende. Depois de autografar mais de 300 livros, do seu mais recente lançamento, Feminismo em Comum, Marcia Tiburi comentou que essa atuação feminina preponderante, que faz da vigília democrática um sucesso, não a espanta.

 

"As mulheres que conseguiram sobreviver no machismo, inclusive no machismo de esquerda, são muito organizadas, muito persistentes, têm de ser muito espertas", afirmou.

 

"Infelizmente tem muito machismo no mundo da esquerda também, mas pelo menos a gente pode contar com ouvidos, inteligência da nossa galera para construir um diálogo mais elaborado. Tenho muita fé que o feminismo está chegando, juntando com a luta de classes e fazendo a luta completa que vai realmente transformar nossa sociedade. Nos aguardem", avisa.

 

 

 

Cláudia Motta, para a RBA  /  CUT

 

 

 

 

 

 

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