O governo enviou à Câmara dos Deputados, em fevereiro de 2008, a Proposta de Emenda Constitucional 233/2008 (PEC 233), que altera o Sistema Tributário Nacional. Em novembro último, a Comissão Especial da Reforma Tributária da Câmara Federal concluiu a votação do substitutivo do relator, (Dep. Sandro Mabel PR-GO), e encaminhou ao Plenário, onde a proposta precisa ser votada em dois turnos, e depois enviada ao Senado.
O objetivo deste texto é apresentar os principais pontos da proposta de reforma tributária em tramitação no Congresso e avaliar as implicações mais visíveis para a seguridade social. Para isso, o texto está dividido em três partes. A primeira contém um resumo dos principais pontos da reforma tributária, a segunda apresenta algumas considerações sobre o atual sistema tributário brasileiro e sua regressividade, por fim, a terceira parte versa sobre os possíveis impactos da reforma na seguridade social.
I. Objetivos da Reforma Tributária
Numa primeira abordagem, verifica-se que a proposta de Reforma Tributária não tem a pretensão de promover uma mudança estrutural no sistema tributário brasileiro, de forma a torná-lo mais justo. Conforme a Exposição de Motivos que acompanha a proposta, os principais objetivos são:
1) simplificar o sistema tanto no âmbito dos tributos federais quanto do ICMS, eliminando e reduzindo tributos e desburocratizando a legislação tributária;
2) acabar com a guerra fiscal entre os Estados, com impactos positivos para o investimento e a eficiência econômica;
3) implementar medidas de desoneração tributária, principalmente nas incidências mais prejudiciais ao desenvolvimento;
4) corrigir as distorções dos tributos sobre bens e serviços que prejudicam o investimento, a competitividade das empresas nacionais e o crescimento;
5) aperfeiçoar a política de desenvolvimento regional, medida que isoladamente já é importante, mas que ganha destaque no contexto da reforma tributária como condição para o fim da guerra fiscal;
6) melhorar a qualidade das relações federativas, ampliando a solidariedade fiscal entre a União e os entes federados, corrigindo distorções e dando início a um processo de aprimoramento do federalismo fiscal no Brasil.
Pela proposta, haverá uma fusão de quatro tributos num único Imposto sobre Valor Adicionado Federal, o IVA-F. Os tributos a serem extintos são:
a) Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS);
b) Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS);
c) Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e a comercialização de combustíveis (CIDE);
d) Contribuição social do Salário-Educação. Além disso, propõe a incorporação da Contribuição Social do Lucro Líquido (CSLL) ao Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ).
Como forma de combate ao que se convencionou chamar de “guerra fiscal” entre os estados, a proposta de reforma tributária procura unificar as alíquotas e alterar a cobrança do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) estadual da origem para o estado de destino das mercadorias e serviços.
Com essas medidas, o governo visa reduzir a cumulatividade do sistema tributário (ou seja, a incidência de um mesmo tributo várias vezes, ao longo da cadeia produtiva) e trazer maior racionalidade econômica e desburocratização do recolhimento de tributos pelas empresas. Ao contrário dos tributos a serem extintos, o IVA-F só incidirá sobre o valor da produção que foi adicionado em cada etapa da produção e comercialização dos produtos e serviços, não sendo, pois, um imposto cumulativo.
Se essa simplificação é desejável e gerará queda nos custos das empresas, por outro lado é bom lembrar que, por se tratar de um imposto indireto, o IVA-F manterá a característica de ser repassado aos preços das mercadorias e serviços, sendo, portanto, pago pelo consumidor de forma regressiva (DIEESE, NT 69).
II. Estrutura Tributária Atual
• A estrutura tributária brasileira é altamente regressiva , com os impostos recaindo mais, proporcionalmente, sobre quem ganha menos, especialmente porque o peso dos tributos indiretos (embutidos nos preços do que compramos) é muito grande.
• Tributação em excesso sobre o consumo e pouco sobre o patrimônio e a renda. Seria necessário inverter essa ordem que, além de injusta, não favorece o crescimento do país. A carga tributária sobre os assalariados é proporcionalmente maior do que a carga tributária paga pelas camadas de alta renda da população.
• Dados de 2004 mostram que aqueles que tinham renda familiar de até dois salários mínimos gastavam 49% dela com tributos. Já os que tinham uma renda familiar de mais de 30 salários mínimos, gastavam em média 26% da renda com tributos (Khair, 2008). Isso significa que, enquanto as famílias mais pobres gastavam quase metade da renda pagando tributos, a parcela mais rica não despedia nem um terço da renda em tributos.
Em síntese, a proposta de reforma tributária (PEC 233/Substitutivo) mantém a atual estrutura regressiva, na qual ricos pagam proporcionalmente menos imposto que os mais pobres.
III. Impactos sobre Seguridade Social
A Reforma prevê que o valor recolhido para a Seguridade por meio da COFINS e da CSLL será preservado pela vinculação à Seguridade Social de 38,8% da arrecadação do Imposto de Renda (IR), Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto Sobre Valor Adicionado Federal (IVA-F).
Uma das características do sistema tributário brasileiro é a alta regressividade, ou seja, tributa-se mais quem ganha menos e menos quem ganha mais. A regressividade existe devido à elevada participação dos tributos indiretos, que são os que não dependem da condição econômica do contribuinte.
Quadro 1. Alterações Propostas pela Reforma Tributária
Como foi definido percentual de 38% para a seguridade social?
É a participação da COFINS e da CSLL no total de receitas que integram o montante gerado por IR, IPI e IVA-F (estimado através da arrecadação com COFINS, PIS, Salário Educação e Cide).
Tabela 1. Arrecadação do Governo Federal em 2006
Ou seja: (R$ 28 bi CSLL + R$ 91,5 bi COFINS / R$ 308 bi) x 100 = 38,8%.
De acordo com o a Exposição de Motivos que acompanha a proposta, as mudanças no sistema de vinculações e partilhas seriam feitas de modo a manter a neutralidade com relação aos valores atuais. Ou seja, usando como parâmetro os gastos em 2006, a proposta preserva o montante total destinado para a seguridade social.
Outra mudança importante é a extinção do PIS, fonte de financiamento do seguro-desemprego, do abono salarial e dos recursos aplicados pelo BNDES, que passarão a ser financiados com um percentual de 6,7% da arrecadação do Imposto de Renda (IR), Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto Sobre Valor Adicionado Federal (IVA-F).
A constitucionalização das contribuições sociais com vinculação específica obedeceu à necessidade de dar uma base financeira diversificada e estável para a Seguridade, que não fosse suscetível a alterações conjunturais. Contudo, a proposta de Reforma tributária, ao fundir vários tributos num Imposto sobre Valor Adicionado Federal (IVA-F) (acaba com a CONFINS, o PIS e incorpora a CSLL ao IRPJ), o faz em detrimento da manutenção da diversidade de fontes de financiamento da Seguridade Social (Previdência, Saúde e Assistência Social), tal como inscrita no Artigo 195 da Constituição Federal de 1988 (DIEESE, NT 68).
As mudanças propostas além de acabarem com a exclusividade e a diversidade de fontes de financiamento da Seguridade Social, mantém inalterada a chamada DRU - Desvinculação das Receitas da União, por meio da qual 20% de toda a arrecadação tributária da União que têm vinculação definida para gastos sociais passam a ser destinadas a despesas de livre escolha do governo, especialmente as despesas financeiras, relativas aos encargos da dívida pública interna.
Proposta de Desoneração da Folha Salarial
• A proposta de reforma prevê a Redução de 20% para 14% da contribuição dos empregadores para a previdência, a qual seria implementada ao ritmo de um ponto percentual por ano, a partir do segundo ano após a aprovação da Reforma.
• Pela PEC/Substitutivo, o Poder Executivo deverá encaminhar ao Congresso, no prazo de 90 dias após a aprovação da Reforma, projeto de lei implementando a redução.
Segundo o Art. 195 da Constituição Federal, a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro;
II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;
III - sobre a receita de concursos de prognósticos.
IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar
• Para evitar que a mudança se reflita em diminuição das receitas da previdência, o governo afirma que serão adotadas medidas - ainda em estudo - para compensar este impacto.
• A contribuição patronal representou em 2007, R$ 55 bilhões (cerca de 40% da receita previdenciária), e cada ponto percentual de diminuição da cota patronal representa cerca de R$ 3 bilhões a menos de receitas.
De acordo com a CUT, a desoneração da folha de pagamentos das contribuições previdenciárias e do sistema “S” é uma das medidas necessárias para a formalização das relações de trabalho, mas essa desoneração tem de ser acompanhada da garantia de recursos compensatórios para o orçamento da seguridade.
Considerações Finais
A proposta de Reforma Tributária, apesar de procurar corrigir algumas distorções da atual estrutura tributária, é nitidamente insuficiente para alterar de forma significativa o sistema tributário brasileiro no sentido de maior justiça fiscal. Verifica-se uma completa ausência de objetivos voltados para a justiça fiscal, na medida em que a proposta não sinaliza a construção de um sistema tributário menos regressivo, pautado pela tributação da renda e do patrimônio.
Ao inverter a lógica do financiamento, fazendo com que o Orçamento Fiscal passe a custear a Saúde, Previdência, Assistência Social e Seguro-desemprego, a proposta de reforma tributária inviabiliza definitivamente uma das principais conquistas da Constituição Federal de 1988, o Orçamento da Seguridade Social.
Por detrás da simplificação e racionalização da estrutura tributária esconde-se o fim das vinculações, a desoneração da folha de contribuição dos empregadores para previdência social e a extinção de fontes de financiamento das políticas sociais.