Isaías Dalle
Ontem, dia 27, o presidente da Central, Artur Henrique, enviou uma carta ao presidente Lula em que cobra do governo o respeito às diretrizes do SUS (Sistema Único de Saúde) e à decisão do Conselho Nacional de Saúde, que rejeitou por ampla maioria o projeto (veja íntegra ao final deste texto).
No dia 3 de junho haverá mobilização em Brasília, convocada pela Central e entidades filiadas, como a CNTSS (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social), Fasubra (Federação de Sindicatos de Trabalhadores em Educação nas Universidades Brasileiras) e CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), e por coletivos como Conselho Nacional de Saúde, a Plenária Nacional de Conselhos e a Frente Parlamentar da Saúde. O objetivo é reunir grande número de militantes para pressionar o Congresso Nacional, onde o projeto aguarda votação. O movimento deve ser reforçado pelos militantes que também farão uma ocupação pacífica do Congresso no dia 3 em defesa da Petrobrás e do petróleo cada vez mais públicos.
O projeto de lei que pretende criar as fundações estatais, de número 92/07, é a menina dos olhos do ministro da Saúde, José Gomes Temporão (PMDB-RJ). Mas é totalmente repelido pelo movimento sindical cutista e pelos militantes da saúde.
"O ministro quer desvirtuar tudo o que a sociedade acumulou em termos de visão de Estado que nós sempre defendemos", ataca Artur Henrique. "As políticas públicas têm de ter controle social independentemente de quem está no governo. Em lugar de enfrentar os reais problemas do quadro profissional do SUS através da regulamentação do artigo 37 da Constituição, o Temporão usa de argumentos para desqualificar os trabalhadores públicos", diz Artur, em referência a entrevista em que o ministro afirmou que quem é contra as fundações é "porque não gosta de trabalhar".
O presidente da CUT também lembra que as fundações estatais, se instaladas no serviço federal, vão reproduzir modelo utilizado pelo PSDB e "DEMO" nos estados e prefeituras que governam. Os tucanos, porém, utilizam outro nome para a mesma idéia: Organizações Sociais (OSs). "Sabemos que onde o modelo existe há inúmeros problemas para a população em geral. Não se trata de um assunto corporativo, ao contrário da mistificação ensaiada pelo ministro", afirma Artur.
Em São Paulo, por exemplo, o Sindsaúde-SP/CUT tem várias denúncias documentadas contra irregularidades cometidas pelas fundações e entidades privadas a que são repassadas as gestões de unidades de saúde. Entre elas, hospitais que fazem triagem arbitrária de pacientes - casos complexos ou acidentados são remetidos a hospitais genuinamente públicos -, organizações sociais que recebem dinheiro público em proporção maior do que unidades sob gestão direta do Estado, ausência de prestação de contas e aumento exponencial de custos de internação nas unidades terceirizadas.
Na raiz de todos esses problemas, que afetam mais intensamente os pobres, está a falta de controle social sobre as unidades entregues a fundações. "Forma-se um sistema paralelo ao SUS. As fundações utilizam a lógica comercial, a idéia de lucratividade, produtividade. Isso só agrava os problemas que a saúde pública já tem", destaca a presidente da CNTSS/CUT, Maria Aparecida de Godói Faria. Como sistema paralelo, as fundações também interrompem a construção de carreira única no SUS, criando "castas".
Mas o perigo não ronda apenas o SUS. O ministro da Educação, Fernando Haddad, já dá sinais de simpatia à idéia.
Para reforçar a pressão sobre o governo e o Congresso, Artur Henrique e Denise Motta Dau, secretária nacional de Organização Sindical da CUT, vão abordar o tema e expor as reivindicações da CUT na próxima reunião do CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social), dia 4, em Brasília.
Serão novos capítulos nessa briga. Em 15 de agosto de 2007, por exemplo, mais de 20 mil manifestantes do Dia Nacional de Luta da CUT pediram o arquivamento do projeto. O assunto também fez parte da pauta das 4ª e 5ª Marchas Nacionais da Classe Trabalhadora, que reuniram, juntas, mais de 60 mil militantes em Brasília. Sem falar em mobilizações dos trabalhadores da seguridade social em diferentes partes do país e em audiências com ministros, parlamentares e com o próprio presidente Lula em que a posição da Central foi reafirmada.
Em 30 de julho de 2007, em audiência, Lula e o ministro Temporão ouviram as argumentações da CUT contra o projeto de criar fundações estatais de direito privado.
Veja, a seguir, a íntegra da carta entregue ao presidente Lula
Exmo. Sr. Presidente da República
MD Luiz Inácio Lula da Silva
Vimos pelo presente, resgatar algumas questões que consideramos fundamentais, para solicitar vossa atenção em relação ao PLP 97/2007, que propõe a criação das Fundações Estatais de Direito Privado.
Em 2007, em reunião com V.Exa. e as centrais sindicais, a CUT manifestou preocupação pelo fato deste Projeto de Lei Complementar, que propõe uma mudança estrutural na gestão do Estado, estar tramitando no legislativo sem qualquer tipo de interlocução anterior com a sociedade.
Assim, sensível ao nosso clamor, prontamente V.Exa. solicitou ao Ministro da Saúde, Exmo. Sr. José Gomes Temporão, a interlocução com os movimentos sociais para debater a referida proposição do executivo, porém não obtivemos êxito para construir este espaço de diálogo.
Em agosto de 2007, o Conselho Nacional de Saúde, representando os diversos setores da sociedade interessados no debate, realizou um Seminário sobre Modelos de Gestão no SUS, que ao final formulou um documento apontando algumas propostas em contraposição ao PLP 92/2007.
Durante todo ano de 2007, nas etapas preparatórias para a 13ª Conferência Nacional de Saúde, foram realizadas 4.430 Conferências Municipais, abrangendo 77% de todos os municípios do país, envolvendo neste processo mais 74.000 delegados, para culminar com a realização da etapa final, em Brasília, onde o debate sobre Fundação Estatal de Direito Privado mobilizou os quase cinco mil delegados presentes na etapa nacional, que manifestaram enfaticamente a posição do controle social contra o PLP 92/2007.
Assim, vimos todos os nossos esforços ao longo deste período, na busca de canais de interlocução, em especial com o Exmo. Sr. Ministro da Saúde, não prosperarem e sistematicamente desconsiderados, com a redução de nossas discordâncias como "combate ideológico ao projeto de lei", na tentativa de desqualificar nosso alerta de que as supostas soluções contidas no PLP 92/2007, representam uma verdadeira bomba relógio, que futuramente podem trazer conseqüências perigosas à gestão do SUS.
A seguir algumas considerações sobre o Substitutivo apresentado:
- Plano de Carreira específico para cada Fundação
Existirão remunerações diferentes para ocupações similares dentro do SUS. O Substitutivo contraria a defesa de uma carreira do SUS e acentua as diferenças de remuneração dentro de uma mesma categoria profissional.
Os funcionários da Fundação Estatal que já fizerem parte do quadro e optarem por permanecer na instituição terão o direito a um complemento salarial que os equiparará aos novos, porém este não será integrado ao salário, não sendo computado para fins de aposentadoria.
Sabendo-se que a fundação deverá prestar serviços somente para o poder público, pode-se perguntar se isto não significa também responsabilidade do Estado com relação aos trabalhadores da fundação. Afinal, o que diferencia o empregado da fundação do servidor público?
Ao invés de um PCCS para cada fundação, é preciso considerar a proposta de um Plano de Cargos, Carreiras e Salários de acordo com as Diretrizes Nacionais do PCCS SUS, pactuadas na Comissão Intergestores Tripartite e aprovadas pelo Conselho Nacional de Saúde, tendo a implantação da carreira SUS como carreira de Estado (CNS, 2008).
- Importância da Estabilidade
De acordo com o Conselho Nacional de Saúde, a estabilidade no emprego é essencial para os profissionais da área da saúde, isso porque a fixação do profissional facilita a criação de vínculos tanto com o ambiente de trabalho quanto com os pacientes, algo essencial para a garantia de um atendimento mais humano e solidário.
Ao permitir a redução de quadro de pessoal por excesso de despesa na Fundação Estatal (Art.3º §6), o Substitutivo reproduz na saúde pública uma lógica de mercado, em que a oferta de serviços está condicionada a receita.
- Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)
Um dos argumentos em favor da fundação estatal é de que ela estará livre das amarras da LRF. Ao invés de discutir a própria Lei de Responsabilidade Fiscal e propor mudanças que permitam maiores gastos com pessoal em setores importantes como saúde e educação (áreas em que a maior parte dos gastos concentra-se na rubrica pessoal), o governo prefere utilizar a Fundação Estatal como forma de ‘driblar` os limites da LRF.
Existem diversos projetos no Congresso Nacional que alteram o limite de gasto com pessoal na saúde que podem ser considerados:
- PLP 251/2005- Dep. Roberto Gouveia (PT/SP)
Despesa total com pessoal (União/Estados/Municípios), exclusivamente da área da saúde, poderá ser de até no máximo, 75% do total de recursos destinados à saúde.
- PLP 264/2005 - Dep. Jandira Feghali (PCdoB/RJ)
Dispõe sobre as despesas de pessoal de servidores de Estados e Municípios vinculados a ações e serviços públicos de saúde. Exclui do cálculo da LRF as despesas com pessoal da saúde que são custeadas por transferências do SUS.
- PLP 268/2005 - Dep. Marco Maia (PT/RS)
O limite da despesa total com pessoal da área da saúde será regulamentado anualmente pelo gestor municipal, com prévia construção e deliberação do Conselho Municipal de Saúde, podendo chegar ao teto máximo de 80% dos recursos globais da área da saúde.
- Contrato de gestão
Cabe indagar sobre a hipótese do contrato de gestão (metas, etc) não atender as necessidades dos usuários. Pergunta-se, a quem será atribuída responsabilidade? O Poder Público poderá ser responsabilizado? No caso da saúde, se o Estado não puder ser responsabilizado, isso não colide com os princípios da universalização e da integralização da saúde no SUS? Quais as possibilidades de se fazer cumprir o contrato de gestão?
- Controle Social
Apesar de garantir no artigo 9º a participação dos trabalhadores e usuários nas instâncias de deliberação das fundações que prestem serviços de acesso universal (caso da saúde), o Substitutivo não define como se dará efetivamente o controle social, deixando para a lei específica de criação da fundação o detalhamento deste processo.
- Orçamento
A partir da análise do Substitutivo algumas questões permanecem: Qual a participação do Legislativo e dos Tribunais de Contas no controle dos gastos da fundação? Quais os mecanismos de acompanhamento das Fundações? Quem será responsável por desequilíbrio financeiro das Fundações?
-Imunidade Tributária
Segundo o Ministério do Planejamento, as fundações gozarão de imunidade tributária sobre o patrimônio, renda ou serviços e serão isentas da contribuição da seguridade social. Contudo, o que justifica a não contribuição patronal? E, no caso da extensão das fundações para estados e municípios, a União arcará com a despesa patronal de previdência, cobrindo a isenção dos estados e municípios?
Diante do exposto, apelamos para vosso compromisso com o debate democrático, no sentido de imprimir esforços para termos um prazo de sessenta dias para que os diversos segmentos da sociedade envolvidos apresentem uma proposta referendada nos princípios e diretrizes do SUS e que contemple as necessidades de aperfeiçoar sua gestão.
Atenciosamente,
Artur Henrique e Maria Aparecida Godoi Faria