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Carteira de Trabalho Verde e Amarela poderá flexibilizar ainda mais os direitos do trabalhador

13/12/2018

Economistas apresentam receio em relação à flexibilização de direitos e questionam o argumento de que a proposta realmente resultaria em geração de empregos

Escrito por: Sindprev BA / Portal Previdência Total

 

Em seu programa de governo, o presidente da República eleito, Jair Bolsonaro, propôs a criação de uma nova carteira trabalhista, a chamada Carteira de Trabalho Verde e Amarela, que seria voluntária e destinada aos novos trabalhadores.

 

Todo jovem que viesse a ingressar no mercado de trabalho poderia optar entre um vínculo de emprego baseado no atual ordenamento jurídico ou no novo modelo, no qual o contrato individual de trabalho prevaleceria sobre a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mantendo-se apenas os direitos constitucionais.

 

A vantagem para o trabalhador, em relação à mudança que pode ser implementada após o novo governo assumir em 1º de janeiro de 2019, seria uma maior oferta de empregos em razão da redução dos custos para as empresas. Especialistas em Direito do Trabalho e economistas divergem sobre a sua constitucionalidade, a flexibilização de direitos, o real impacto na geração de empregos no país e sobre um dos pontos mais polêmicos da proposta: a não mais obrigatoriedade de adesão ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) por parte do trabalhador.

 

De acordo com Bruno Souza Dias, especialista em Direito do Trabalho e sócio do escritório Stuchi, Dias e Andorfato, ainda é difícil prever no que consistiria realmente a mudança. “A princípio, trata-se apenas de uma nova opção de capa para a Carteira de Trabalho, pois a Reforma Trabalhista de 2017 já faz o papel desta nova concepção, tornando possível os acordos individuais de trabalho sem que haja a necessidade de intervenção dos sindicatos”, analisa.

 

“Entretanto, a adoção de um novo modelo de contrato de trabalho, que veemente vá de encontro com a CLT, poderia gerar um conflito jurídico cuja provável consequência seria uma reação contrária de nossos Tribunais Superiores em Brasília, acarretando na declaração de sua inconstitucionalidade”, avalia.

 

Conforme Dias, direitos constitucionais como o salário mínimo, o seguro desemprego, o 13º salário, o repouso semanal remunerado e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço só podem ser alterados por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que teria de ser aprovada por maioria absoluta (2/3) de deputados e senadores.

 

Já para o especialista em Direito do Trabalho e sócio do escritório Baraldi Mélega Advogados, Danilo Pieri Pereira, a criação da nova carteira seria positiva, possibilitada também apenas por meio de uma mudança na Constituição. “Desde a criação da CLT, em 1943, o ordenamento jurídico brasileiro adotou o modelo corporativista, segundo o qual as cláusulas do contrato de trabalho não podem ser inteiramente negociadas entre patrões e empregados sem a interferência do Estado. A Constituição incorporou, em 1988, diversos desses itens, como, por exemplo, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço”.

 

Para Pereira, a insegurança jurídica é, na verdade, fruto do modelo que começou a ser alterado a partir da Reforma Trabalhista no ano passado. “Nasce justamente da falta de objetividade da legislação trabalhista atual e do modelo de relações trabalhistas adotado no Brasil desde a Era Vargas, o que faz com que questões mínimas das relações entre patrões e empregados devam ser resolvidas judicialmente”, afirma. “Como o Poder Judiciário tem liberdade interpretativa, não se sabe ao certo quais procedimentos as empresas podem adotar com segurança, mesmo previstos na legislação. Isso fatalmente impacta na criação de novos postos de trabalho e na atração de novos investimentos para a economia brasileira”, aponta.

 

Flexibilização de direitos

 

Embora a aprovação da nova carteira trabalhista não seja fácil, em razão da necessidade de alteração na Constituição, economistas apresentam receio em relação à flexibilização de direitos e questionam o argumento de que a proposta realmente resultaria em geração de empregos.

 

“A ideia geral da carteira é muito ruim. Já tem uma reforma que retira uma série de direitos”, afirma Ramon Fernandez, professor de ciências econômicas da Universidade Federal do ABC. Para o economista, a criação da carteira representa uma continuidade da Reforma Trabalhista implementada pelo Governo Temer há um ano e, assim como ela, faz os acordos individuais prevalecerem sobre a legislação e desconsidera a assimetria existente na relação entre empregados e empregadores.

 

Na visão de Fernandez, o problema consiste na dependência do trabalhador em relação às empresas ser maior do que o recíproco. “Para o empregador, obviamente, pagar o Fundo de Garantia é um custo. Muito provavelmente, se ele tiver a possibilidade de não pagar, ele não vai fazer isso. (Aceitar o emprego com a nova carteira) é uma coisa voluntária, mas fortemente assimétrica. Ou você fica desempregado, ou fica empregado sem Fundo de Garantia”, exemplifica.

 

A economista e coordenadora de pesquisas e tecnologia do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), Patrícia Pelatieri, também vê uma possível ampliação das mudanças já realizadas no sistema de relações de trabalho brasileiro.

 

“A Reforma Trabalhista veio nessa direção, mas não conseguiu acabar com esse arcabouço. O trabalhador que optasse por essa nova carteira estaria abrindo mão do reconhecimento da insalubridade, do adicional por periculosidade, dos intervalos entre jornadas. Embora haja um reconhecimento de que é preciso pagar um adicional por conta do trabalho noturno, a Constituição não define qual é o percentual”, diz. “Só é possível a negociação se houver um equilíbrio de forças. Esse equilíbrio não existe, a não ser que haja um arcabouço legal e um acordo coletivo”, defende.

 

Economia e emprego

 

Um dos argumentos utilizados em favor da Reforma Trabalhista e em apoio à nova carteira trabalhista consiste na geração de empregos. De acordo com o economista Ramon Fernandez, a criação de postos é relacionada a dois fenômenos e nem sempre a redução dos salários e dos direitos trabalhistas tem como consequência a geração de empregos. “De um lado, há situações em que não adianta, não vai criar mais empregos. Em outro tipo de trabalho, é possível contratar mais quando há uma maior folga econômica, para cuidar do seu jardim, para ter uma outra empregada”, explica o economista. “Se o salário cair, de repente aumenta o número de empregados. Mas, basicamente, é difícil garantir que isso terá um impacto grande na economia”, afirma.

 

Para o economista, o desemprego tem diminuído atualmente em razão da menor procura por empregos, o que faz com que pessoas deixem a chamada População Economicamente Ativa (PEA), que faz parte do cálculo do índice. De acordo com os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desemprego no Brasil caiu para 11,9% no trimestre encerrado em setembro e atinge atualmente 12,5 milhões de brasileiros.

 

A economista Patrícia Pelatieri aponta ainda o fenômeno atual da substituição de postos de trabalho. “Estamos vendo que a flexibilização não gerou empregos, houve uma substituição de postos mais protegidos e melhor remunerados por empregos mais frágeis”.

 

Para ela, o crescimento econômico depende do nível de investimentos do governo e da dinamização da economia. “A tendência patronal é sempre de aumentar a sua margem de lucro. Você tem que ter uma composição de políticas governamentais que possam promover esse desenvolvimento com geração de emprego”, alerta.

 

Mudança no FGTS

 

Entre as possíveis mudanças apresentadas com a criação da Carteira de Trabalho Verde e Amarela está o fim da obrigatoriedade da adesão ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) por parte do trabalhador. A discussão gira em torno da tutela do Estado sobre o trabalhador ou da possibilidade de o governo conceder mais liberdade para que este possa gerir os seus próprios recursos.

 

Na avaliação do especialista do escritório Baraldi Mélega Advogados, Danilo Pereira, a mudança seria positiva. “O FGTS é um investimento compulsório ao qual o trabalhador está obrigado, contribuindo com 8% de todos os seus rendimentos salariais ao mês e que, ao final, vai lhe render juros insignificantes de 3% ao ano. É um investimento pior do que a poupança, que em 2018 deve ficar em torno de 5%”, afirma. “Pode ser interessante dar ao trabalhador a opção de investir o seu dinheiro por meio de fundos de investimento, previdência privada, compra e venda de ações ou qualquer outro que lhe pareça mais atrativo”, sugere.

 

Entretanto, para o professor Ramon Fernandez a mudança esbarra na dificuldade de gestão financeira por parte dos trabalhadores. “Qual o grau de conhecimento de uma pessoa que tem um baixo nível educacional? Que instrumentos financeiros estão ao alcance dessa pessoa?”, questiona.

 

Para o economista, o valor correspondente ao FGTS de um trabalhador que recebe o salário mínimo fica em torno de cerca R$ 75,00 mensais e é preferível para ele contar com uma poupança tutelada pelo governo que possa ser utilizada no momento de desemprego ou para outras necessidades.

 

O advogado Bruno Souza Dias lembra que a função do Fundo de Garantia é justamente oferecer uma segurança ao trabalhador que se encontra desamparado devido a uma demissão sem justa causa. “Seria de bom tom que os empregados pudessem decidir qual a melhor forma de investimento para suas finanças. Contudo, boa parte da população hoje sequer possui educação básica. Independentemente de qual modelo utilizado, obrigatório ou facultativo, a questão principal reside na boa administração destes valores”, avalia.

 

E na visão da economista do DIEESE Patrícia Pelatieri, o fim da obrigatoriedade de adesão ao FGTS traria um impacto “trágico” ainda para as contas do país. “O Fundo de Garantia financia todas as obras de habitação e saneamento no país. Estamos falando de um país que não tem uma cobertura 100% de habitação e, muito menos, na área de água e esgoto”, lembra.

 

De acordo com o IBGE, entre 2011 e 2017, caiu de 84,2% para 80% a proporção de pessoas que vivem em cidades que contam com políticas governamentais de construção de unidades habitacionais. Já em relação ao saneamento, conforme o Instituto Trata Brasil, apenas 45% do esgoto no país era tratado em 2016 e 83,3% da população brasileira era abastecida com água potável.

 

 

 

 

 

Portal Previdência Total – Arthur Gandini

 

 

 

 

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