Milhões de lares brasileiros estão aos cuidados de aproximadamente 6 milhões e setecentas mil trabalhadoras domésticas.
Elas chegam cedo, às vezes levam o pão do café da manhã das famílias às quais prestam serviço, ajudam a cuidar das crianças (muitas vezes ficam mais tempo com os filhos dos patrões do que eles mesmos), limpam, lavam e passam em residências, apartamentos e empresas.
Reconhecimento profissional - No entanto, “apesar das exigências profissionais serem iguais a qualquer outra área de atuação, o trabalho doméstico não é reconhecido como profissão e direitos como Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), seguro-desemprego, hora extra, salário-família e auxílio-acidente, ainda não são garantidos”, descreve Ione Santana de Oliveira, Secretária de Política de Promoção da Igualdade Racial da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços da CUT (Contracs) e diretora da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas - BA.
Panorama - Dos 6,7 milhões de postos de trabalho no serviço doméstico, apenas 6,2% são ocupados por homens, ou seja, é uma área predominantemente de mulheres, que em geral são negras ou afrodescendentes e com baixo nível de escolaridade.
As trabalhadoras domésticas são vítimas de extensas jornadas, assédio moral e sexual, maus-tratos, baixos salários e tantos outros problemas, com um agravante: a proximidade muito maior da trabalhadora com o/a empregador/a. “No trabalho doméstico a relação empregador x trabalhador é mais próxima que na maioria das outras profissões, o que dificulta a organização da categoria e principalmente deixa as trabalhadoras constrangidas na hora de reivindicar seus legítimos direitos. É uma relação difícil. Muitos empregadores confundem os direitos das trabalhadoras com favor. Não é favor nenhum pagar salário digno, é apenas justiça”, detalha Creuza Maria Oliveira, presidenta da Fenatrad (Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas), entidade filiada à Contracs/CUT.
O problema da extensa jornada enfrentada pelas trabalhadoras domésticas é confirmado por um estudo do Dieese sobre emprego doméstico. O estudo apurou, em 2003 e 2004, que numa cidade como Recife 85,2% das trabalhadoras mensalistas com carteira assinada tiveram jornadas superiores a 44 horas semanais, chegando ao pico de 57 horas semanais, só para se ter uma idéia.
Trabalho doméstico infantil - 500 mil crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos estão no trabalho doméstico. E, segundo Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) 23% das crianças e adolescentes de 10 a 14 anos empregadas no trabalho doméstico desempenham jornadas acima de 48 horas semanais. Número que sobe para 30% na faixa dos 15 aos 17 anos.
Lutas históricas - Há décadas, as trabalhadoras lutam por reconhecimento profissional, respeito, valorização e pela conquista de direitos. “Data de 1936 a fundação da 1.ª Associação de Trabalhadoras Domésticas, na cidade de Santos, por Laudelina de Campos Melo. De lá pra cá, as trabalhadoras buscam incessantemente se organizar para conquistar direitos garantidos a outras categorias profissionais”, destaca Maria Regina Teodoro, da Direção da Contracs e do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Campinas (SP).
Luta nacional - A equiparação de direitos das trabalhadoras domésticas é uma das principais lutas da Contracs, encampada nacionalmente pelos sindicatos e federações filiados, sejam de trabalhadoras domésticas ou de outros setores filiados à confederação.
“Há, sem dúvida, uma união de esforços e uma forte consciência na Contracs e na CUT sobre a necessidade de valorização, reconhecimento profissional e equiparação de direitos das trabalhadoras domésticas”, destaca Ione Santana.
De acordo com a presidenta da Contracs, Lucilene Binsfeld, trava-se uma grande luta em todo o país e em diversas esferas pela equiparação dos direitos das trabalhadoras domésticas: “participamos de reuniões, fóruns de debates e audiências públicas com os diversos ministérios, lutamos pelo registro sindical para os sindicatos das trabalhadoras domésticas e a sustentação financeira dessas entidades, só para citar algumas ações”.
Avanços - Nos últimos anos, tanta luta dos sindicatos, federações de trabalhadoras domésticas, da Contracs e da CUT resultou em importantes avanços, como a qualificação profissional e a elevação de escolaridade, por meio do Plano Setorial de Qualificação - Planseq - “Trabalho Doméstico Cidadão”, realizado em conjunto com o Governo Federal e que terá continuidade e expansão nos próximos anos.
Outro importante instrumento na luta por dignidade e reconhecimento profissional está em fase de elaboração pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), que em 2010 deve apresentar uma convenção sobre trabalho doméstico, a exemplo de inúmeras convenções da OIT, como a 182 que trata da proibição das piores formas de trabalho infantil e ação imediata para sua eliminação.
“A Direção da Contracs quando esteve reunida em março de 2009, deliberou que a entidade e os sindicatos filiados de trabalhadoras domésticas vão buscar participar de todos os espaços de discussão da Convenção da OIT sobre trabalho doméstico, a fim de contribuir com essa importante ferramenta de luta”, afirma Lucilene Binsfeld.
Desafios - Permanecem como desafios para toda a sociedade garantir às trabalhadoras domésticas direitos como: horas extras, FGTS obrigatório, seguro-desemprego, salário-família, seguro por acidente de trabalho e adicional noturno.
“Entre avanços e contratempos, esperamos para breve o reconhecimento e a valorização integral do trabalho doméstico no Brasil. Afinal, são 6,7 milhões de trabalhadoras ansiosas por justiça”, lembra Regina Teodoro.
Por que 27 de abril?
O dia 27 de abril é considerado o Dia Nacional das Empregadas Domésticas por ser o dia de Santa Zita.
Zita nasceu em 1218 na Itália e devido a sua origem humilde e camponesa, aos 12 anos começou a trabalhar como empregada doméstica, trabalhando para a mesma família por várias décadas.
Generosa com as esmolas aos pobres que batiam à casa dos Fatinelli, nome da família de seus patrões, tirava do seu próprio salário para ajudar aos necessitados.
Após um período de humilhações por parte dos Fatinelli, estes lhe confiaram a direção da casa. Conta-se que uma de suas colegas, com ciúmes, certa vez acusou-a por oferecer esmolas aos pobres.
Surpreendida enquanto saía de casa com o avental cheio de alimentos para visitar uma família necessitada, respondeu ao patrão que levava flores e folhagens. Ao verificarem o que ia no avental, só encontraram flores.
Zita morreu em 27 de abril de 1278. O Papa Pio XII proclamou-a padroeira das Empregadas Domésticas.
Poesia da companheira Ione Santana de Oliveira,
Secretária de Política de Promoção da Igualdade Racial da Contracs e diretora da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas - BA
“Quando éramos crianças nossos direitos foram negados
Mas agora com as lutas dos sindicatos aos poucos estão sendo conquistados.
Me buscaram no interior com promessas de brincar e estudar
Quando cheguei aqui me entregaram uma criança para cuidar.
Vim do interior visando o futuro na residência do empregador
Vivenciei o trabalho duro.
Trabalhamos o dia todo organizando sem parar
A noite chega e não consigo descansar
Em um quartinho de despensa, onde todos os objetos ficam lá.
O sol nasceu para todos e nem posso apreciar
Com a dupla jornada de trabalho nem o meu filho eu posso educar.
O sol nasce para todos, mas não posso apreciar
O relógio desperta: tá na hora de acordar.
27 de abril é o dia de maior referência viva das
trabalhadoras domésticas por sua resistência