Clemente, do Dieese: "Se a taxa de juros tivesse caído rapidamente, cresceríamos de 2% a 3% este ano"
Em entrevista ao Portal do Mundo do Trabalho, o coordenador técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, avalia que a crise levará dez anos para ser superada pelos EUA, o que deve se refletir no restante do planeta. E diz que o Brasil cresceria até 3% este ano se o Banco Central não tivesse demorado para derrubar a Selic.
A crise já acabou?
Clemente: Não, a crise não acabou, nós temos que considerar que é uma crise mundial e que terá efeitos por até uma década ainda. A economia como um todo terá de se adaptar a um novo padrão de consumo e de poupança. Com a desaceleração, a questão ambiental ganha força e deverá trazer uma nova ordem de consumo e produção. Passaremos por ajustes por conta de uma perda de riqueza sem precedentes da população norte-americana.
Maior que a da década de 1930?
Em termos de magnitude, não dá para comparar o mundo de 30 com o atual. O volume de perdas é muito maior. Existe ainda a interdependência dos países, e os Estados Unidos jogam um papel importante, pois consomem 1/3 da produção mundial. O mundo enriqueceu na última década puxado pelos Estados Unidos, que se endividava e consumia. A China poupava e exportava. O Brasil só foi redescobrir seu mercado interno há cinco anos. Quando os Estados Unidos param, o mundo trava. Vai cair o consumo. Em um ano, os Estados Unidos já queimaram mais de 6 milhões de empregos. É uma queima estrutural, esses empregos não serão recriados. Hoje a taxa de desemprego lá é de 10% da população.
Essa taxa não deve baixar?
Mesmo depois de retomar o ritmo econômico, a taxa de desemprego nos Estados Unidos deve ficar em 7%. E o país deve levar 10 anos para tanto, para recuperar a riqueza perdida.
E o Brasil?
O país teve uma série de políticas acertadas. Primeiro a estabilização da economia, depois a melhora das contas públicas e agora, uma quantidade enorme de políticas acertadas do governo Lula - crédito, exportação, fortalecimento do mercado interno, Bolsa Família, salário mínimo. E o equilíbrio das contas externas: isso faz toda a diferença num momento desses. Temos reservas.
O erro foi não ter baixado a taxa de juros antes. Há simulações que apontam que se a queda da taxa Selic tivesse ocorrido já em setembro de 2008, se de uma só vez reduzisse o mesmo tanto que foi reduzido em a partir de novembro e dezembro, o Brasil não teria sofrido a queda de PIB que sofreu. Haveria um crescimento do PIB em 2009 de 2% a 3%. No entanto, se crescermos esse ano, será menos de 1%. O Banco Central olhou para a inflação, o câmbio, e esqueceu do principal.
Há quem diga que a alta taxa básica de juros contribuiu para a formação das reservas de que você falou há pouco...
Essa questão não é fácil, não é simples desarmar essa política. A renda transferida pela alta taxa de juros cria práticas difíceis de quebrar. Os fundos de pensão, por exemplo, muitos dirigidos por trabalhadores, investem nos papéis da dívida, atraídos pela taxa Selic. Não são apenas os grandes capitalistas. Isso exige por parte do Estado uma estratégia mais articulada. Com a inflação estável, o governo poderia ir sinalizando para o mercado que é necessário deslocar o dinheiro da especulação para investimentos produtivos. E ao mesmo tempo ir amortizando a dívida interna.
Mas, por outro lado, essa taxa Selic ajudou a consolidar uma credibilidade internacional, faz parte. Mas a questão é que a taxa no Brasil é um escândalo. Com a queda de pouco mais de quatro pontos ocorrida em um ano, tiramos RS 40 bilhões da especulação e direcionamos para a produção.
E ainda assim foi uma queda tímida.
Não foi tímida, foi atrasada. E a Selic precisa continuar baixando, porque o Brasil precisa ampliar sua taxa de investimento privado.
E para os trabalhadores, algum conselho prático?
Que as pessoas se animem porque o emprego vai voltar. Para os jovens, digo que invistam pesado em formação. E que as famílias continuem consumindo, com responsabilidade claro, mas mantenham o padrão de consumo. O Brasil tem hoje uma grande oportunidade de fazer mudanças estruturais a partir da ampliação do emprego e do salário. Por isso, o movimento sindical tem de continuar brigando por aumentos reais e por negociações coletivas ousadas.