Aposentadoria Especial dos ACS e ACE: Justiça Social e Sustentabilidade Fiscal
Publicado: 01 Dezembro, 2025 - 00h00 | Última modificação: 01 Dezembro, 2025 - 09h27
A discussão sobre a aposentadoria especial dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e dos Agentes de Combate às Endemias (ACE) é, acima de tudo, um debate sobre reconhecimento. São esses trabalhadores que entram nas casas, nos becos, nas comunidades, nos territórios esquecidos pelo Estado. Eles são a “cara do SUS” em cada casa deste país, representando não apenas uma política pública, mas a presença real da saúde onde o povo vive. Mesmo assim, tentam transformar seu direito previdenciário em “pauta-bomba”. Nada mais injusto — e nada mais distante da realidade fiscal.
O orçamento do SUS previsto para 2026 é de aproximadamente R$ 247 bilhões. Dentro desse valor, já estão completamente previstos os gastos com o piso nacional dos ACS e ACE, criado pela EC nº 120/2022. A União destina cerca de R$ 15 bilhões anuais para remunerar e garantir os encargos dos quase 390 mil agentes ativos no Brasil. Ou seja: o financiamento dessa política já está dentro do orçamento da saúde. Não há surpresa, não há desequilíbrio, não há explosão fiscal.
Mesmo assim, circula a ideia fantasiosa de que a aposentadoria especial custaria “R$ 800 bilhões em 10 anos”. Esse número não aparece em nenhum estudo oficial — não consta no Ministério da Saúde, no Tesouro, no TCU, na CNM, nem em qualquer documento orçamentário. Além de falso, é matematicamente impossível: significaria dizer que uma única medida custaria três vezes todo o SUS ao longo de uma década. É mais do que erro — é terrorismo fiscal.
Mas o debate não pode ignorar algo ainda mais importante: a vida real desses trabalhadores. Uma pesquisa da Fiocruz, referência máxima em saúde pública, aponta que a expectativa média de vida dos ACE expostos continuamente a inseticidas é de apenas 55 anos. Isso significa que muitos deles não chegam sequer à idade mínima que a legislação previdenciária exige para se aposentar. Como justificar que um trabalhador que protege o país contra epidemias não consiga proteger a própria vida?
A aposentadoria especial não cria novos cargos, não aumenta piso, não muda carreira e não altera gastos estruturantes. Ela apenas faz justiça a quem vive diariamente em risco, organizando um sistema de proteção mínima para profissões reconhecidamente insalubres. E, quando comparada ao orçamento do SUS para 2026, seu impacto é residual, praticamente imperceptível diante de um sistema que sustenta políticas muito mais custosas.
A verdade é simples e contundente: não é a aposentadoria especial que ameaça o orçamento — é a falta dela que ameaça a vida de quem cuida do Brasil.
Chamar essa pauta de “bomba fiscal” é virar as costas para o sofrimento, adoecimento, intoxicação e desgaste silencioso desses trabalhadores. É esquecer que os ACS e ACE são o rosto humano do SUS, aqueles que batem na porta, que acompanham famílias vulneráveis, que fazem vigilância epidemiológica, que enfrentam inseticidas, enchentes, surtos, violência urbana e calamidades.
Eles não são números: são o SUS que chega antes do hospital, antes da ambulância, antes do gestor. Deveriam ser tratados como tal.
A aposentadoria especial não é um prêmio. É um ato de coerência moral. É o Estado reconhecendo que quem dá a vida por nós não pode ser empurrado até o limite da própria sobrevivência.
Um país que protege quem cuida da sua saúde não cria despesas — cria dignidade. E dignidade nunca será pauta-bomba.
Estes trabalhadores que recebem um piso de dois salários-mínimos, não podem entrar no balaio das disputas de narrativas das conturbadas relações institucionais entre os poderes da República.
Sandro Alex de Oliveira Cézar é agente de combate as endemias do Ministério da Saúde e Secretário de Finanças da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social – CUT