Facilidades e pechinchas das compras coletivas pela internet atraem multidões. Mas é preciso cuidado para não ser levado pelo impulso nem pela pressa, para que um bom negócio não vire dor de cabeça
Por: Miriam Sanger - Rede Brasil Atual
Os números impressionam: 9 mil celulares, 10 mil ingressos para o cinema, 5 mil books de fotografia, 800 clientes para um jantar completo em um restaurante chique vendidos em apenas 24 horas. Temaki de R$ 10 por R$ 1,99, hidratação e corte de cabelo de R$ 90 por R$ 25, um mês de aulas de pilates de R$ 180 por R$ 45, para pegar ou largar. Não há mágica por trás dessa matemática, mas sim um novo modelo de negócio: os sites de compra coletiva desembarcaram no Brasil há pouco mais de um ano e já apresentam resultados para ninguém botar defeito. No começo do ano não passavam de quatro. Agora são mais de 80.
O princípio é simples. Assim que uma oferta é anunciada no site - com descontos que chegam a 90% -, os clientes cadastrados são convidados a aderir, por e-mail. A confirmação se dá mediante pagamento, feito por cartão de crédito, e a compra só se realiza com um número mínimo de adesões. Quando isso ocorre, o pagamento é realmente efetivado e os participantes recebem, por e-mail, um cupom para apresentar à empresa conveniada. A oferta normalmente vale por apenas 24 horas, o que gera uma óbvia pressão sobre o interessado.
Estima-se que no Brasil 4,5 milhões de internautas cadastrados acompanham promoções no ClickOn, Groupon, Peixe Urbano e Clube do Desconto, para citar os mais conhecidos, e são geralmente concentrados em algumas áreas, como gastronomia, beleza e lazer. Como brasileiro não é bobo nem nada, já foram desenvolvidos portais que agrupam esses sites de desconto. O SaveMe e o ValeJunto reúnem e noticiam aos usuários o que consideram as melhores ofertas do dia. Os sites de compra coletiva, muito mais focados em serviços, não concorrem ainda diretamente com outra nova modalidade, os chamados clubes de compras, que funcionam como outlets virtuais e trabalham exclusivamente com produtos.
Essa nova cruzada comercial, em que o consumidor é bombardeado em sua caixa de e-mails, traz uma mudança de cultura: a ideia de primeiro pagar para depois usufruir. Apesar de sermos um povo louco por um bom negócio, a primeira experiência de chegar a um lugar com um cupom nas mãos normalmente causa certo constrangimento. Vencida a timidez inicial, ela pode se transformar num negócio da China.
“Já sabemos que aqui temos essa peculiaridade cultural: o brasileiro compra o desconto e quando chega no estabelecimento, uma vez que já pagou antes pelo principal que será consumido, sente que pode consumir ainda mais. Se pagou barato por um restaurante caro e quer um vinho como acompanhamento, pede logo o primeiro da lista, em vez de se manter no mais em conta, aumentando o tíquete médio do estabelecimento”, explica Rafael Singh, coordenador de marketing do Groupon. Esse é, em parte, o objetivo da empresa anunciante. “Mas deixamos claro que nosso trabalho não é ‘queimar’ estoque. O que fazemos é levar pessoas, às vezes aos milhares, até o local. Transformá-las em clientes que vão voltar, e então pagar o preço cheio é tarefa do estabelecimento.”
Pelo estômago
O Groupon foi a empresa que, em 2008, desenvolveu e implantou o conceito de sites de compra coletiva nos Estados Unidos. Apenas dois anos depois de sua fundação, já tem base instalada em 200 cidades de 30 países. No Brasil há apenas quatro meses, a companhia ocupa o primeiro lugar em número de visitas no segmento de compras coletivas, com mais de 2 milhões de usuários cadastrados que usufruíram, nesses 120 dias, de mais de R$ 16 milhões de descontos em suas promoções.
E desconto, mesmo que não usufruído, é coisa que pega o sujeito pelo estômago, principalmente no caso dos mais suscetíveis ao incentivo ao consumo. “Já perdi vários vouchers que comprei. De um deles, um mês de aulas de pilates, abri mão porque só fui checar qual era o lugar depois de comprar - não curti e acabei nem aparecendo. Também estou com um cupom de viagem empacado, porque demorei para fazer a reserva e agora não há mais fim de semana livre até o fim do prazo de utilização. Essa coisa do prazo é difícil de administrar e é preciso estar muito atento”, afirma a paulistana Luiza Pagliarini. Ela já adquiriu tratamentos estéticos, jantares e roupas - estas, em clubes de compra - e a cada dia fica mais esperta em como utilizar a novidade, que usa inclusive para presentear. Mas admite: é preciso um esforço do outro mundo para se conter e saber a hora de parar.
Esse é um problema. A jornalista Mariana Rodrigues conta que os amigos a consideram “superviciada” - mas ela nega. “Eu sei qual é o meu limite, mas de fato é difícil me controlar quando surgem várias promoções. Também, puxa, aparece um show que eu quero ir que custa R$ 50, em vez de R$ 100. Daí, os restaurantes que eu adoro. E vou comprando”, descreve. Ela não perdeu, até hoje, nenhum voucher, mas já teve uma experiência complicada com uma pousada no litoral de São Paulo: comprou o voucher e tentou, por dias, fazer a reserva. “Depois descobri que o dono da pousada recebeu mais de mil ligações em um dia e o sistema de telefonia não segurou.” Mariana persegue especialmente as promoções de restaurante. “De repente, você é estimulado a conhecer novas opções e a circular mais, o que é legal. Já fui a vários lugares que queria conhecer mas não ia porque sabia que a conta sairia cara.”
É o mundo maravilhoso das compras, como dizia o comercial da década de 1970, mas há que se consumir com moderação. Segundo a advogada Mariana Ferreira Alves, do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), exatamente por ser uma modalidade nova, o consumidor precisaria ser mais cauteloso. “Muitas vezes, ele é atraído por uma promoção chamativa, pressionado pelo tempo de validade da promoção e compra por impulso”, conta, alertando para os prazos de utilização, aos quais nem todo comprador está atento. Nem a esse nem a outros cuidados. “O consumidor precisa ler bem as instruções da oferta, ver se é realmente de seu interesse, se ele pode pagar e se terá tempo de utilizar no prazo. Muitos acabam comprando pensando que uma promoção assim não vai acontecer de novo. Não é assim. A invenção é boa, é benéfica, mas é preciso cuidado.” Não adianta participar de uma incrível oferta que não cabe no seu bolso e no seu tempo - e a urgência do prazo da oferta, de fato, estimula à falta de reflexão.
Resista ao desnecessário
Vitor Liberman, comprador contumaz pela internet, encontrou na compra coletiva uma forma mais eficiente de economizar. “A web traz sempre preços mais competitivos, além de proporcionar economia de tempo na hora de pesquisar. Acho que as pessoas ainda a veem com desconfiança, mas isso é mito - nunca tive nenhum problema”, conta o gaúcho, administrador de empresa. Apesar da experiência, Vitor já se rendeu ao impulso. “Vi uma oferta de um perfume Prada que eu queria há tempos e custava 20% do valor cheio. Quando o produto chegou, fiquei tão emocionado que nem atentei ao fato de aquela ser a colônia, não o perfume. Mas não houve problema: fiz a devolução e, apesar da demora, fui ressarcido.” O administrador acabou criando uma regra: só vai ao site checar a promoção quando se trata de algo de que realmente precisa. “São muitas ofertas. É preciso resistir às tentações.”
Se for o caso, dá para desistir da compra, ao menos assim determina a lei. Todo cliente tem o direito de se arrepender, e tem sete dias para fazer uma devolução sem custo. E também tem 30 ou 90 dias para reclamar, em caso de defeito de fabricação ou não aparente, respectivamente. Patricia Meneses devolveu um vestido sem estresse. “Eu ia comprar um, acabei comprando três. Houve uma pequena confusão, pois eles não tinham dois deles no estoque e me enviaram apenas um, do qual não gostei. Depois de idas e vindas, resolvi”, diz.
“Às vezes, você acaba comprando o que não precisa. Acho que isso acontece ainda mais com as mulheres: o catálogo daquela marca que você adora está lá, com as peças em desconto, convidando ao exagero. Olho as promoções quase todo dia, tenho a sensação de que estou no shopping.” No entanto, há o lado bom, e Patrícia já vez vários bons negócios. “Fui a um restaurante, por exemplo, que só não conheci antes porque era muito caro”, comemora. E dá a dica: “Acho que o que exige mais atenção são os serviços de turismo, porque muita gente reclama da dificuldade que é, depois, achar uma boa data para ir”.
Muitas vezes, nem todo cuidado adianta. Ana Flavia Back se aventurou no campo dos tratamentos dentários, muito em voga nesses sites. Viu quatro ofertas no mesmo dia, ligou para todos e decidiu contratar o tratamento que pareceu mais confiável. O clareamento a laser, segundo o dentista que a atendeu ao telefone, seria aplicado até que fosse obtido o resultado desejado, e o valor incluía a limpeza dos dentes. Quando chegou ao lugar, surpresa: o profissional disse que não seria necessária a limpeza e alertou que o clareamento seria feito apenas em alguns dentes.
“Disse que não iria fazer, liguei para o site e pedi o dinheiro de volta. Fiquei circulando entre o portal e a clínica, até que consegui ser reembolsada. Mas me senti lesada, pois aquilo foi propaganda enganosa. Agora, vou marcar para fazer com a minha própria dentista. Em alguns casos, melhor pagar o preço cheio e ter a certeza do serviço bem-feito.” Ana também já comprou manicure, escova, hidratação e jantares. Avisa aos navegantes: “Nada de comprar querendo usar o voucher em um dia específico, pois os lugares ficam lotados por semanas e você tem de contar com a sorte”. Lições aprendidas, agora ela compra apenas itens em que o “desconto não pareça arriscado”.
Compre consciente
Dicas dos advogados
Verifique se o estabelecimento é confiável. Os sites afirmam que zelam pela qualidade de seus parceiros, mas o melhor é evitar dor de cabeça. O que não parece correto normalmente não é.
Cheque se a empresa oferece algum tipo de canal de retorno no site, como endereço fixo, telefone ou e-mail.
Salve no computador, ou imprima, as páginas do site com a oferta do produto, a efetivação da compra e as condições de uso/entrega.
Fique atento ao local em que realiza a transação. Não compre por meio de computadores públicos (lan houses, escolas e do trabalho).
Verifique como é a política de desistência.
O portal precisa assegurar que os dados do cartão de crédito que o consumidor passa ao efetivar uma compra são criptografados. Isso é possível por meio dos selos de segurança exibidos no site.
Em caso de problemas, Procon neles! Em quase todos os estados, os órgãos de proteção ao consumidor têm serviços de reclamações específicas sobre compras pela internet. Digite Procon e o nome de seu estado no Google e pesquise até mesmo antes de fazer sua compra.
Dicas dos consumidores
Muita atenção ao prazo de validade e mesmo de utilização do produto ou serviço que está comprando. Grande parte dos serviços vendidos em sites coletivos estabelece um prazo de validade nem sempre muito camarada - comprar um voucher de cinema que só vale para as 12h do domingo não chega a ser uma vantagem, certo?
Pergunte aos amigos: a experiência deles vai dizer muito sobre o site.
Tenha foco: compre somente o que você precisa e sabe que vai conseguir usar.
Controle suas compras e seu limite de crédito: quando tudo parece barato, a tendência é exagerar. É um convite ao desperdício ou ao endividamento.
Algumas empresas têm negociado cupons em quantidade acima de sua capacidade de atendimento. Isso resulta em agendamento em até seis meses. Veja se é o caso antes de fechar uma compra.
Foto - Luiza Pagliarini dá o recado: é preciso um esforço do outro mundo para se conter e saber a hora de parar (Foto: Danilo Ramos)