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21/05/2019
A PEC 6/19, a proposta de reforma do governo Bolsonaro, pretende modificar profundamente o sistema previdenciário brasileiro, adotando o regime de capitalização individual, sem contrapartida do empregador e da sociedade, em substituição ao regime de repartição, tanto no RGPS quanto para os servidores públicos (RPPS), eliminando o caráter solidário e criando as condições para privatizar a Previdência Pública do País.
O Sistema Brasileiro de Previdência é formado por 3 tipos de regimes previdenciários, sendo 2 que adotam o regime financeiro de repartição (sem formação de reservas), conhecidos como o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), e 1 que adota o regime de capitalização, conhecido como Regime de Previdência Complementar (RPC). Há ainda um 4º regime, que tem natureza previdenciária, ou seja, assegurar a renda nos casos de doença, invalidez, morte e idade avançada, que é o regime dos militares das Forças Armadas e das polícias militares e corpos de bombeiros militares, mas para o qual, em alguns casos, não há contribuição do militar ativo para custeio de proventos de inatividade, mas somente da pensão militar.
O Regime Geral de Previdência Social (RGPS), administrado pelo INSS, é público e de caráter obrigatório para todos os trabalhadores do setor privado, empregados ou autônomos, os empregados públicos de empresas estatais, os servidores públicos ocupantes, exclusivamente, de cargo em comissão de livre nomeação e exoneração ou cargo temporário, e ainda os servidores ocupantes de emprego público. De amplitude nacional e caráter contributivo, possui teto de contribuição e de benefício, atualmente de R$ 5.839,45 (até janeiro de 2020) e opera exclusivamente com plano na modalidade de benefício definido.
Já os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), de responsabilidade dos respectivos tesouros (União, Distrito Federal, estados e municípios), são públicos e de caráter obrigatório para os servidores civis, detentores de cargo efetivo, de todos os entes federativos. Em alguns estados, estão incluídos nesses regimes os policiais e bombeiros militares, mas, na União, não são nele considerados os militares das Forças Armadas. Os regimes próprios operam exclusivamente com plano na modalidade de benefício definido e, para os civis, cobrem os benefícios até o teto de remuneração do respectivo ente (que pode ser a remuneração de ministro do STF, desembargador, governador ou prefeito, dependendo do ente federativo). Para os servidores que ingressaram no serviço público após a instituição da previdência complementar, ou que aderiram a esse regime, como previsto na Constituição Federal, a cobertura é limitada ao teto do RGPS.
A União, o Distrito Federal, a maioria dos estados e poucos municípios (muitos munícipios optaram pelo RGPS e não adotam o RPPS), que já instituíram a previdência complementar, praticam o teto do RGPS como limite de contribuições e benefícios previdenciários, tanto para quem ingressou após criação, quanto para quem já era servidor antes e fez a opção pelo regime complementar. Nos RPPS, até que venham a se aposentar, os servidores civis que ingressaram antes da criação do fundo de pensão e não fizeram opção pela previdência complementar, vão continuar contribuindo e recebendo benefícios com base na totalidade da remuneração, dependendo da data de ingresso no serviço púbico ou da opção pela previdência complementar. Para os militares das Forças Armadas, por não estarem sujeitos a essas regras, a União não instituiu e nem deve instituir teto, mas, segundo projeto de lei já em tramitação no Congresso, deverão passar a contribuir para os proventos de inatividade (“reforma”), já que atualmente não contribuem para esse fim, mas somente para a pensão de seus dependentes, sobre a totalidade da remuneração. Diferentemente dos civis, continuarão a se aposentar com paridade e integralidade e a deixar pensões integrais para seus dependentes em caso de morte.
O Regime de Previdência Complementar (RPC), por sua vez, é privado, possui caráter facultativo (voluntário), se organiza sob a forma de entidade aberta (bancos e seguradoras) ou entidade fechada (fundo de pensão). É autônomo em relação à Previdência Social oficial e se baseia na constituição de reservas (poupança). Seu regime financeiro, portanto, é o de capitalização. Opera com planos mistos, de contribuição definida, de contribuição variável ou de benefício definido. Nas entidades abertas, não existe a modalidade de benefício definido; no máximo, há planos que cobrem os benefícios de risco. Já nas entidades fechadas ou fundos de pensão, ainda existem planos de benefício definido, embora a maioria esteja migrando para contribuição definida. A regra, na previdência complementar, é plano de contribuição definida para a aposentadoria e, quando existir, plano misto para benefício de risco, como pensão por morte. No caso de servidores titulares de cargo efetivo, o regime complementar deve ser obrigatoriamente gerido por entidade fechada de previdência complementar de natureza pública, ou seja, não é permitida a operação por entidade privada.
A PEC 6/19, a proposta de reforma do governo Bolsonaro, pretende modificar profundamente o sistema previdenciário brasileiro, adotando o regime de capitalização individual, sem contrapartida do empregador e da sociedade, em substituição ao regime de repartição, tanto no RGPS quanto para os servidores públicos (RPPS), eliminando o caráter solidário e criando as condições para privatizar a Previdência Pública do País. Se prevalecer o desenho proposto, até as entidades fechadas de previdência complementar, os fundos de pensão, correm risco, porque não faz sentido existir previdência complementar num sistema em que a própria previdência básica opera em regime de capitalização em contas individuais, como é o caso da previdência complementar. Mais ainda, a PEC prevê que haverá ampla portabilidade entre a previdência fechada ou aberta, ou seja, o segurado poderá a qualquer momento mudar de uma operadora de plano de previdência para outra, segundo suas conveniências.
A proposta governamental, além da desconstitucionalização das regras de garantias previdenciárias e da tentativa de instituir o regime de capitalização em substituição ao regime de repartição, atinge os 3 fundamentos da constituição dos benefícios, em prejuízo do segurado:
Alguns benefícios, como a pensão, poderão ser reduzidos à metade. Seu valor poderá ficar limitado a 60% da aposentadoria ou do valor da aposentadoria que teria direito o falecido, num cálculo que achata o valor inicial, que poderá resultar num benefício inferior ao salário mínimo.
O sentido final da reforma é, por um lado, reduzir a despesa pública com Previdência e Assistência Social e impedir o crescimento dessas despesas para que o teto de gastos da Emenda Constitucional 95, de 2016, seja cumprido. A economia pretendida é de R$ 1,2 trilhão em 10 anos, e R$ 4,4 trilhões em 20 anos, e desse total entre 81 e 92% virão do RGPS e da redução de direitos como abono salarial e benefício assistencial de idosos e deficientes.
Por outro lado, a implantação do regime de capitalização acarretará perdas de arrecadação para o RGPS e RPPS, estimadas em valor equivalente ao da economia pretendida, ou seja, os tesouros terão que continuar arcando com a despesa, mas sem ter a receita das contribuições. Essa enorme quantidade de dinheiro passará a ser gerida pelas seguradoras privadas, repetindo o que aconteceu no Chile, onde após 35 anos, os trabalhadores descobriram que suas aplicações só eram suficientes para pagar benefícios bem inferior à sua renda, e até mesmo menores que o salário mínimo. Os bancos e administradoras de fundos de pensão chilenos, porém, não têm do que se queixar.
Antônio Augusto de Queiroz - Jornalista, analista e consultor, diretor de Documentação licenciado do Diap e sócio-diretor das empresas Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais e Diálogo Institucional e Análise de Políticas Públicas.
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