Objetivo é evitar que bactérias sejam levadas na roupa para dentro dos hospitais; para médicos, lei é inócua
Por Folha de S.Paulo
Médicos e outros profissionais de saúde do Estado de São Paulo estão proibidos de usar jalecos e aventais fora do ambiente de trabalho. A lei, sancionada pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), foi publicada ontem no "Diário Oficial" do Estado.
A justificativa é que, ao circular pelas ruas com o uniforme, os profissionais podem carregar para dentro dos hospitais bactérias e outros micro-organismos, que ficam grudados na roupa.
A lei, proposta pelo deputado Vitor Sapienza (PPS), prevê multa de dez Unidades Fiscais do Estado de São Paulo (R$ 174,50) ao profissional que for pego com uniforme nas ruas. A multa será em dobro na reincidência, mas o governo ainda não sabe como será a fiscalização.
Estudos demonstram que bactérias com potencial de causar infecções hospitalares podem resistir semanas nos jalecos e aventais. Mas não há evidências de que essas bactérias vão causar, de fato, infecções.
Infectologistas ouvidos pela Folha consideram a lei inócua e afirmam que a falta de higiene é a principal fonte das infecções nos hospitais.
"Seria muito mais útil fazer uma campanha para que os médicos e os outros profissionais lavem as mãos", diz Caio Rosenthal, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.
Segundo ele, o maior perigo é quando profissional de saúde manipula um paciente portador de uma bactéria resistente, não lava as mãos corretamente e, depois, toca em outros doentes.
Para o médico José Erivaldes Guimarães Júnior, diretor da Federação Nacional dos Médicos e professor da Unifesp, a lei não tem nenhuma importância para a saúde pública. "Fundamental é lavar as mãos, é ter médicos e equipamentos nos postos."
Levantamento do Cremesp (Conselho Regional de Medicina) e do Ministério Público Estadual em 65 hospitais públicos e 93 hospitais privados da capital e do interior mostrou que em 28% deles não havia nas áreas críticas o básico para reduzir infecções, como uma pia.
Ontem, das 18h às 18h45, a Folha presenciou pelo menos 23 médicos circulando pelas ruas próximas do Hospital das Clínicas da USP usando jaleco. Muitos seguiam para a lanchonete Gigi, ao lado do HC.
O deputado Vitor Sapienza diz que enfrentou resistência ao seu projeto até entre os colegas de Assembleia. "Mas, se o governador, que é médico, sancionou, é porque é importante." Ele acredita que a resistência à lei esteja no fato de o avental branco conferir um "certo status" ao médico.
REGULAMENTAÇÃO
A Secretaria de Estado da Saúde informou que a lei ainda precisa ser regulamentada, mas não há prazo, e que ainda serão definidas as formas de fiscalização.
CLÁUDIA COLLUCCI, DE SÃO PAULO
Colaboraram JOSÉ BENEDITO DA SILVA e GIBA BERGAMIM JR.
ANÁLISE
Avental não é o principal vilão na transmissão das bactérias
HÉLIO SCHWARTSMAN, ARTICULISTA DA FOLHA
Vários estudos mostram que jalecos de profissionais de saúde de fato carregam agentes patógenos, incluindo alguns germes bem ruinzinhos, que apresentam resistência a antibióticos.
A lei paulista deixa de fazer sentido quando se considera que equipamentos de proteção individual não são os únicos nem os mais importantes reservatórios de bactérias.
Um dos principais vilões entre os seres inanimados é o estetoscópio. Celulares, canetas, óculos, teclados e mouses também aparecem no alto das listas de fômites hospitalares (objetos capazes de transportar germes).
Menos lembradas, mas não menos perigosas, são as gravatas. Um estudo inglês de 2007 recomendou que médicos deixassem de usá-las. Ao contrário de jalecos, elas quase nunca são lavadas.
Fômites, contudo, têm um papel menos importante na transmissão de infecções do que as mãos de médicos e enfermeiros. Bactérias e fungos não andam. Eles costumam ser levados a objetos e a pacientes através de um agente animado, que é quase sempre a mão de alguém.
Para autor do projeto, peça dá "status" a médico
DE SÃO PAULO
O deputado Vitor Sapienza diz que enfrentou resistência ao seu projeto até entre os colegas de Assembleia. "Uns 14 ou 15 deputados médicos criticaram. Mas se o governador, que é médico, sancionou, é porque é importante."
Ele acredita que a resistência à lei esteja no fato de o avental branco conferir um "certo status" ao médico.
O cirurgião Ricardo de Oliveira, 30, do Hospital das Clínicas, deu outra explicação para o fato de usar jaleco fora do ambiente de trabalho.
"Uso por identificação, para ajudar alguém que precise", disse, na lanchonete ao lado do HC. Ele ponderou que não era o mesmo jaleco que usa no centro cirúrgico. "Aquele fica no armário."