CNTSS > LISTAR NOTÍCIAS > ACONTECE > PEC DA PREVIDÊNCIA, INSPIRADA EM PAÍSES RICOS, É INJUSTA COM BRASILEIROS, DIZ ESTUDO
17/02/2017
A reforma da Previdência, que tramita na Câmara dos Deputados sob a forma da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287, vai impor parâmetros mais duros que os praticados em países que inspiraram a medida, segundo o estudo “Previdência: reformar para excluir? " .
A avaliação é de que o texto proposto pelo governo de Michel Temer (PMDB) é injusto ao comparar a realidade de um trabalhador rural do nordeste brasileiro à de um trabalhador urbano de países como os da Escandinávia.
" Uma proposta de reforma que se pretenda justa deve considerar a experiência histórica de cada país, seu estágio de desenvolvimento e das condições materiais de vida do seu povo “, afirma trecho do documento, que expõe 12 indicadores sobre desigualdade de renda, mercado de trabalho, gênero, expectativa de vida ao nascer, a probabilidade de não se atingir 65 anos.
A reforma da Previdência propõe a idade mínima de 65 anos e tempo mínimo de 49 anos de contribuição para que os brasileiros possam receber integralmente o benefício.
A referência do texto da PEC é a média de 64,6 anos dos países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No entanto, na prática, a idade para receber o benefício é uma referência, que pode chegar a quase oito anos de antecipação em alguns locais.
Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (Cesit), coordenou a pesquisa e destacou que a PEC 287 é ainda mais estrita e desigual porque não há " comparação possível " entre os indicadores sociais e econômicos dos países da Europa e as estatísticas brasileiras.
" Não tem como sequer pensar em inspirar a reforma brasileira na OCDE porque há um oceano que separa estas nações do Brasil, que ainda é um país escravocrata “, afirma o economista.
Mais de 20 técnicos e especialistas nas áreas de economia, direito, previdência e mercado de trabalho colaboraram com a pesquisa, que detalha como a PEC 287 promove e agrava desigualdades sociais e econômicas existentes no Brasil.
O documento, organizado pela Plataforma Política Social, é uma iniciativa da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Desigualdades regionais
O presidente da Anfip, Vilson Romero, pondera que, por mais que o Brasil tenha evoluído em diversos indicadores sociais, as diferenças entre as cidades ainda são muito grandes.
" A heterogeneidade das nossas unidades da federação e das nossas comunidades é muito grande para uma proposta tão autoritária que diz que, a partir de agora, todo mundo se deve se aposentar em uma determinada faixa etária ”, declara Romero.
O estudo indica que apenas 40 dos 5.561 municípios brasileiros são classificados com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) considerado " muito alto”, patamar próximo das nações da OCDE. Por outro lado, 2.230 municípios, o que equivale a 40% do total, têm um IDH “médio” — índice semelhante ao de países como Botsuana, Gabão, Indonésia, Uzbequistão, Bolívia e Iraque.
Alternativas
Romero pontua que a proposta do Governo Temer é orientada por um olhar " austero, orçamentário e fiscalista " da Previdência. " Muito antes de ser impor uma ditadura demográfica de se cortar benefícios e alongar prazos, é momento de discutirmos as fontes de financiamento do sistema “, propôs.
Já a argumentação de que o envelhecimento da população brasileira vai pressionar as contas " não é o fim do mundo “, diz Fagnani. " Diversos países europeus enfrentaram esse problema no século passado e não destruíram seu sistema de proteção social. Hoje, eles gastam cerca de 14% do PIB com a Previdência e, nós, gastamos por volta de 7,5% ”, afirma.
O economista aponta que o caminho é uma reforma tributária progressiva para financiar a proteção e Seguridade Social. " Temos que fazer essa transição: sair da tributação da base salarial para a taxação do patrimônio, riqueza, da produtividade e dos ganhos do capital “, diz.
Segundo ele, o texto da reforma da Previdência tem como base três " premissas equivocadas “. A primeira é que o país vive uma catástrofe demográfica; a segunda, que há um déficit da Previdência; e terceira é a falácia de que as aposentadorias no país são " precoces e generosas “.
Sem reconhecer a importância de distribuição de renda e proteção social, as mudanças, em vez de equilibrarem financeiramente o sistema, vão desestimular a entrada dos jovens no sistema público da Previdência e, em contrapartida, contribuir para " uma queda de receita brutal " a médio e longo prazo.
" O marketing correto do governo deveria ser reformar hoje para quebrar a Previdência amanhã “, diz o economista em alusão ao slogan do governo federal, " Reformar hoje para garantir o amanhã “.
Calendário
A publicação da pesquisa ocorre na mesma semana em que a Comissão Especial da Reforma da Previdência da Câmara começa a definir seu roteiro de trabalho. O relator Arthur Maia (PPS-BA) pretende apresentar o parecer na comissão até março.
O estudo da Anfip e Dieese vai ganhar uma versão impressa, que será distribuída nas sessões do Plenário até o final desta semana. Romero acredita que a publicação vai " contribuir para minimizar as perdas das conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras, do campo e da cidade " .
Esta não é a primeira publicação da Anfip sobre o tema. A associação lançou uma cartilha em setembro do ano passado para esclarecer detalhes sobre a Previdência.
Com textos curtos e linguagem simples, o novo documento pretende embasar e subsidiar a ação parlamentar e dos movimentos sindicais e populares contra o andamento da proposta do governo de Temer.
A versão digital do estudo “Previdência: reformar para excluir? " pode ser acessada clicando neste link aqui.
Rute Pina - Brasil de Fato | Edição: Camila Rodrigues da Silva
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