Prestações de contas entregues a ministério incluem investimentos em presídios, educação e até aposentadorias
DANIELA LIMA
MARIANA SCHREIBER
DE SÃO PAULO
Estados maquiaram seus investimentos em saúde pública nos últimos anos declarando quase R$ 12 bilhões gastos com reformas de presídios, aposentadorias de funcionários públicos e outras atividades como se tivessem sido aplicados no setor.
A emenda constitucional 29, aprovada pelo Congresso no ano 2000, determina que os Estados invistam no sistema público de saúde no mínimo 12% de suas receitas, mas a maioria não cumpre a legislação e tem inflado as prestações de contas entregues ao governo federal.
Despesas com ensino superior, obras de saneamento básico e financiamento habitacional também foram apresentadas como investimentos em saúde, de acordo com o Ministério da Saúde.
Os 27 Estados declararam gastos de R$ 115 bilhões com saúde de 2004 a 2008. Depois de examinar suas prestações de contas, o ministério concluiu que R$ 11,6 bilhões se referiam a despesas com outras áreas, que não poderiam ser usadas para cumprir a lei.
Esse dinheiro corresponde a 10% dos gastos informados pelos Estados nesses cinco anos e seria suficiente para manter por um ano 13 ambulâncias do SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) em cada um dos 5,5 mil municípios do país.
REGULAMENTAÇÃO
Como a emenda 29 não foi regulamentada até hoje pelo Congresso, não existe na legislação uma definição clara do tipo de ação governamental que pode ser classificada como ação de saúde. É por isso que os Estados encontram brechas para driblar o cumprimento da Constituição.
Deputados da base governista se mobilizaram nas últimas semanas para pôr em votação na Câmara um projeto de lei que trata do assunto, mas o governo é contra a iniciativa, porque ela poderá provocar um aumento nos repasses de verbas da União para Estados e municípios.
"Tem cidade em que até o asfalto na frente do hospital é computado como gasto em saúde", disse o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), presidente da Frente Parlamentar da Saúde, grupo de políticos ligados ao setor.
O Ministério da Saúde identificou problemas nas contas de todos os Estados em 2008. Treze conseguiram cumprir a emenda 29 mesmo após abater gastos com outras áreas. O governo ainda não analisou as prestações de contas de 2009 e 2010.
Em 2008, Minas Gerais computou como despesas de saúde o pagamento de aposentadorias e pensões de servidores e repasses para um fundo que financia casas para funcionários da Assembleia Legislativa do Estado.
Minas declarou ter gastado R$ 2,7 bilhões com saúde em 2008, o equivalente a 13% de suas receitas. O governo federal desconsiderou R$ 835 milhões, reduzindo as despesas do Estado com o setor para 8,6%. O governo mineiro informou que contabiliza suas despesas conforme critérios definidos pelo Tribunal de Contas do Estado.
Os gastos do Rio Grande do Sul com saúde em 2008 caíram de 12% para 4% da receita depois que a prestação de contas do Estado foi revista pelo Ministério da Saúde. Até despesas com um programa de prevenção da violência fora classificado pelo Estado como ação de saúde.
"Era feita uma maquiagem", disse o atual secretário estadual de Saúde, Ciro Simoni. "Ano que vem não vai poder mais." Ele promete cumprir a emenda 29 até 2014, mas para atingir a meta será preciso dobrar o orçamento de sua secretaria, que tem R$ 1,2 bilhão neste ano.