O decreto lista as piores formas de trabalho infantil, entre elas o trabalho doméstico.
Antes do decreto, era legal a contratação - desde que registrada em carteira - de maiores de 16 anos e menores de 18 para exercer serviços domésticos. Em todo o país, são cerca de 410 mil crianças e adolescentes trabalhando como domésticas - ou 8% do trabalho infantil no Brasil, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O decreto vai exigir a retirada do mercado de 245 mil pessoas com idade entre 16 e 17 anos.
O texto assinado por Lula, que lista 93 diferentes atividades, regulamenta a convenção 182 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), de 1999. Todas as atividades proibidas pelas autoridades brasileiras foram incluídas em virtude dos riscos que oferecem para a saúde e o desenvolvimento das crianças e dos adolescentes.
O decreto, por exemplo, coloca o trabalho doméstico na mesma categoria da extração de madeira, a produção de carvão vegetal, a fabricação de fogos de artifício, a construção civil e a produção de sal.
Entre os riscos ocupacionais citados no decreto para jovens que realizam trabalhos domésticos estão "esforços físicos intensos, isolamento, abuso físico, psicológico e sexual, longas jornadas de trabalho, sobrecarga muscular", entre outros.
Qualquer pessoa que for encontrada com uma empregada doméstica adolescente poderá ser autuada pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), segundo o diretor do Departamento de Fiscalização do órgão, Leonardo Soares.
Dois advogados trabalhistas disseram que, a partir de agora, os patrões estão sujeitos a duas sanções, no caso de serem flagrados empregando menores.
Além do pagamento obrigatório de todos os direitos trabalhistas do adolescente, o empregador ainda terá de pagar uma multa que pode chegar a R$ 2.012, segundo o advogado José Guilherme Mauger.
O patrão ainda pode ter problemas na esfera criminal, caso o Ministério Público do Trabalho ajuíze ação por crime contra a organização do trabalho.
Reivindicação do movimento sindical
Artur Henrique, presidente da CUT, lembra que medidas como essas são formas de responder a pressões antigas dos movimentos sindical e social. “O fato de a medida ocorrer poucos dias antes de nossas atividades da Jornada Mundial pelo Trabalho Decente, que traz entre suas bandeiras o combate ao trabalho infantil, deve nos motivar a usar o próximo dia 10 como oportunidade de divulgar o avanço e, especialmente, lembrarmos que a lei só não basta. É preciso envolvimento da sociedade e das entidades sindicais para garantir o seu cumprimento. Como tudo que envolve a proteção de menores, é preciso envolvimento. Muitas vezes, aquilo que o senso comum trata como questão de foro privado, ou íntimo, não é”, diz Artur.
Ione Santana, presidenta da Fenatrad (Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas), filiada à Contracs/CUT, considerou muito positivo o decreto, que responde à uma intensa luta do movimento sindical e das organizações sindicais das trabalhadoras domésticas. “Lutamos há muito tempo por isso. A infância é momento de brincar e estudar e a adolescência é momento de crescimento e dedicação à qualificação profissional para um futuro melhor, não é hora de trabalhar e muito menos de sofrer exploração e maus-tratos como ocorre em muitos lares brasileiros”.
Rosane da Silva, secretária nacional sobre a Mulher Trabalhadora, reforça a necessidade de fiscalização. “Como as DRTs vão participar do esforço? Que mecanismos os sindicatos terão para ajudar a cumprir o decreto?”, diz. Rosane lembra ainda que a medida, se analisada junto com o projeto que procura igualar os direitos das domésticas aos dos demais trabalhadores, aprovado ano passado, aponta para o início de um processo de mudança, “mais do que necessário”.
Para Lucilene Binsfeld, presidenta da Contracs/CUT, “é louvável a iniciativa do governo de proibir o trabalho doméstico infantil, já que esse setor é considerado espaço privado e as entidades sindicais não tem acesso para acompanhar a contratação e principalmente garantir as condições de trabalho. No entanto, além dessa iniciativa governamental é preciso garantir a fiscalização dessa forma de trabalho, não somente das crianças e adolescentes mas de todas as trabalhadoras”.
A dirigente explica que milhões de pessoas estão expostas a condições desumanas de trabalho, à exploração, ao assédio moral e sexual nos lares brasileiros. Mas o discurso do espaço privado (o lar) tem impedido ações de proteção a esses trabalhadores/as. “Nós da Contracs/CUT, nossos sindicatos e federações filiados, sempre lutamos e buscamos formas de garantir condições dignas de trabalho para essas trabalhadoras. Esse decreto é um importante capítulo nessa história, mas há muito mais para garantir para as trabalhadoras domésticas. Nossa luta continua principalmente pela igualdade de direitos para trabalhadoras domésticas”, detalhou Lucilene.
Por: Contracs, Secom/CUT e agências de notícias
CONTEÚDO DO DECRETO - NA ÍNTEGRA
Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
DECRETO Nº 6.481, DE 12 DE JUNHO DE 2008.
Regulamenta os artigos 3o, alínea “d”, e 4o da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que trata da proibição das piores formas de trabalho infantil e ação imediata para sua eliminação, aprovada pelo Decreto Legislativo no 178, de 14 de dezembro de 1999, e promulgada pelo Decreto no 3.597, de 12 de setembro de 2000, e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto nos artigos 3o, alínea “d”, e 4o da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT),
DECRETA:
Art. 1o Fica aprovada a Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP), na forma do Anexo, de acordo com o disposto nos artigos 3o, “d”, e 4o da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, aprovada pelo Decreto Legislativo no 178, de 14 de dezembro de 1999 e promulgada pelo Decreto no 3.597, de 12 de setembro de 2000.
Art. 2o Fica proibido o trabalho do menor de dezoito anos nas atividades descritas na Lista TIP, salvo nas hipóteses previstas neste decreto.
§ 1o A proibição prevista no caput poderá ser elidida:
I - na hipótese de ser o emprego ou trabalho, a partir da idade de dezesseis anos, autorizado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, após consulta às organizações de empregadores e de trabalhadores interessadas, desde que fiquem plenamente garantidas a saúde, a segurança e a moral dos adolescentes; e
II - na hipótese de aceitação de parecer técnico circunstanciado, assinado por profissional legalmente habilitado em segurança e saúde no trabalho, que ateste a não exposição a riscos que possam comprometer a saúde, a segurança e a moral dos adolescentes, depositado na unidade descentralizada do Ministério do Trabalho e Emprego da circunscrição onde ocorrerem as referidas atividades.
§ 2o As controvérsias sobre a efetiva proteção dos adolescentes envolvidos em atividades constantes do parecer técnico referido no § 1o, inciso II, serão objeto de análise por órgão competente do Ministério do Trabalho e Emprego, que tomará as providências legais cabíveis.
§ 3o A classificação de atividades, locais e trabalhos prejudiciais à saúde, à segurança e à moral, nos termos da Lista TIP, não é extensiva aos trabalhadores maiores de dezoito anos.
Art. 3o Os trabalhos técnicos ou administrativos serão permitidos, desde que fora das áreas de risco à saúde, à segurança e à moral, ao menor de dezoito e maior de dezesseis anos e ao maior de quatorze e menor de dezesseis, na condição de aprendiz.
Art. 4o Para fins de aplicação das alíneas “a”, “b” e “c” do artigo 3o da Convenção no 182, da OIT, integram as piores formas de trabalho infantil:
I - todas as formas de escravidão ou práticas análogas, tais como venda ou tráfico, cativeiro ou sujeição por dívida, servidão, trabalho forçado ou obrigatório;
II - a utilização, demanda, oferta, tráfico ou aliciamento para fins de exploração sexual comercial, produção de pornografia ou atuações pornográficas;
III - a utilização, recrutamento e oferta de adolescente para outras atividades ilícitas, particularmente para a produção e tráfico de drogas; e
IV - o recrutamento forçado ou compulsório de adolescente para ser utilizado em conflitos armados.
Art. 5o A Lista TIP será periodicamente examinada e, se necessário, revista em consulta com as organizações de empregadores e de trabalhadores interessadas.
Parágrafo único. Compete ao Ministério do Trabalho e Emprego organizar os processos de exame e consulta a que se refere o caput.
Art. 6o Este Decreto entra em vigor noventa dias após a data de sua publicação.
Brasília, 12 de junho de 2008; 187o da Independência e 120o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Carlos Lupi