Escrito por Leonardo Severo
Com o tema "Aquecimento global e os trabalhadores do setor alimentício", a Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação (Contac/CUT) realizará seu 6º Congresso nos dias 1º, 2 e 3 de dezembro no Hotel Estância Atibainha. Em entrevista ao Portal do Mundo do Trabalho, o presidente da Contac, Siderlei de Oliveira faz uma avaliação da importância do evento, para o qual são esperados cerca de 300 delegados de todo o país.
Às portas do 6º Congresso da Contac, qual a avaliação que tens sobre a sua relevância para a organização da categoria?
Este será um Congresso histórico para a Contac e para a CUT, pois colocará num novo patamar a participação dos trabalhadores do setor alimentício dentro da nossa Central. É alto o número de novos filiados, muitos vindos das demais centrais, atraídos pela luta que estamos desenvolvendo neste último período, o que reforça a nossa responsabilidade e potencializa o processo de legalização da nossa Confederação.
O balanço da atuação da entidade no período é altamente positivo...
Tivemos várias lutas neste período, muito focadas na questão da saúde do trabalhador, com intervenções a nível nacional e internacional buscando a redução das doenças do setor avícola. Esta campanha se desenvolveu junto aos países importadores dos produtos brasileiros, onde buscamos conscientizar os consumidores. Nossa linha foi alertar para o preço que pagam os trabalhadores do setor para produzir o frango, lembrando que o que sai barato para eles, nos sai muito caro.
Qual é a proposta da campanha?
A campanha está calcada no convencimento dos importadores dos produtos avícolas sobre a necessidade de uma contrapartida: a de que somente importem produtos oriundos com um selo social emitido pelas organizações dos trabalhadores do setor, garantindo que tal bem não produziu mal, foi feito sem provocar doenças. É diferente do selo que alguns governos e empresas estrangeiras tentam impor para fazer lobby contra os nossos produtos, o objetivo é defender a saúde e a segurança no ambiente de trabalho.
Em que pé ela se encontra?
No momento existem várias publicações de organizações de consumidores europeus fazendo abordagens sobre a campanha dos sindicatos brasileiros do setor avícola. É algo visível e estamos sentindo os efeitos positivos da nossa pressão, que repercutiu inclusive dentro do Congresso Nacional e tem nos trazido avanços. Exemplo disso é o anteprojeto de redução da jornada de trabalho sem redução de salário para turnos de seis horas diárias. Este projeto, que contempla a todos os empregados submetidos ao trabalho penoso no setor avícola, tramita no Senado Federal e na Câmara Federal, pois foi assumido pelo senador Paulo Paim e pelo vice-presidente da Câmara, Marco Maia. Com toda certeza, o 6º Congresso da Contac apontará caminhos para recrudescer esta campanha em defesa da saúde e da segurança do trabalhador, como frisei anteriormente.
Foi com este norte que a Contac organizou a ocupação da sala de comissões do Senado, antecedendo a Marcha a Brasília.
Exato. Com 400 lideranças da alimentação de todo o país ocupamos três salas no Senado e realizamos uma vitoriosa audiência pública, solicitada pela Contac, como forma de acelerar a tramitação do nosso projeto de redução da jornada. Além de estar no Senado, o projeto já está tramitando em três comissões da Câmara e, uma vez aprovado, vai direto para a sanção presidencial. Estamos otimistas.
E a organização dos trabalhadores da cadeia produtiva?
Temos um lema que é organizar os trabalhadores da terra ao prato. Daí a importância de que o 6º Congresso trace estratégias para garantir o avanço da organização do conjunto da cadeia produtiva, especialmente dos assalariados rurais nos principais estados brasileiros. Uma das propostas que serão apresentadas é a criação de sindicatos singulares, agro-industriais, conhecidos como Sintagros. Existem algumas experiências deste tipo nos Estados da Bahia e de Santa Catarina, filiados à Contac.
E a questão qualidade dos alimentos, da contaminação da terra, da água e do ar, da exposição dos trabalhadores do setor?
O setor alimentício depende muito da qualidade da produção agrícola, da forma como é tratado o campo. Temos várias ordens de problema, como a existência de produtos com alta contaminação por agrotóxico, que significa produção de má qualidade alimentícia dentro das fábricas. O manuseio destes produtos com forte presença de pesticidas implica numa agressão à saúde dos trabalhadores, além logicamente de prejudicar enormemente o consumidor final. A questão da poluição por emissão de gases também afeta diretamente a saúde e a própria segurança em três situações: na lavoura, pela exposição dos trabalhadores rurais aos raios ultravioletas que não forem filtrados pela camada de ozônio da atmosfera, o que implica na incidência de grande quantidade de pessoas vitimadas por câncer de pele; a redução da produção de alimentos causados pelas intempéries climáticas provocadas pelo aquecimento e a redução dos postos de trabalho, com a falta de produtos para industrializar devido à queda da produção do campo. A redução na emissão de gases no meio ambiente é uma necessidade, e estamos prontos para fazer a nossa parte, mas, acima de tudo, deve ser assumida fundamentalmente pelos países ricos que, infelizmente, querem continuar poluindo.
A tal responsabilidade social que os países centrais e suas multinacionais tanto alardeiam parece ter uma via única, só serve em benefício próprio.
Pois é, tem muita propaganda e quase nenhuma ação concreta, mas nós, enquanto trabalhadores, precisamos estar atentos e mobilizados, alertando a sociedade e os governos para os riscos que implicam esta postura irresponsável de colocar o cifrão acima da vida.
O verde da vida.
Por falar em verde, dentro da questão ecológica uma das nossas prioridades é a preservação do meio ambiente na selva amazônica e no Serrado, eliminando a criação bovina nestas regiões que, neste momento, encontra-se em grande ascensão. Precisamos de soluções que surtam efeito imediato. O nosso Congresso solicitará que o governo brasileiro assuma uma moratória de 20 anos para a selva amazônica, o que significa que durante duas décadas não se erga mais nenhuma hidrelétrica, além naturalmente das que estão em construção. Também defendemos que, neste período, através da ação governamental, haja o reflorestamento da parte devastada.
Colocar a ciência e a tecnologia a serviço da Humanidade.
O fato é que o desenvolvimento científico e tecnológico das últimas décadas tem sido notável, basta ver que se pegarmos o ano de 1980 em diante, a produção de grãos brasileira cresceu 142%, enquanto a área plantada expandiu-se 24% no período. Este é um dado que reforça incluisve a necessidade da atualização dos índices de produtividade da terra, elemento central para a aceleração e aprofundamento da reforma agrária. Além disso, repetindo dados divulgados pelo presidente Lula, temos ainda 77 milhões de terras agricultáveis fora da Amazônia, o que abre um amplo horizonte de atuação para colocarmos fim ao flagelo da fome no planeta, que aflige mais de um bilhão de pessoas.
Que pensas da Cúpula Mundial sobre a Segurança Alimentar, realizada recentemente em Roma?
A Cúpula destacou a necessidade de produzirmos alimentos no lugar onde residem os pobres e famintos e impulsionar os investimentos agrícolas nessas regiões. Conforme o diretor geral da FAO (Organização da ONU para Agricultura e Alimentação), o senegaç}es Jacques Diouf, para eliminarmos a fome da face da Terra são necessários 44 bilhões de dólares anuais em investimentos em infraestrutura, tecnologia e insumos modernos. Trata-se de uma quantidade pequena se comparada com os 1,3 trilhão de dólares que o mundo gastou em armamentos somente no ano de 2007. O fato é que com os anos de neoliberalismo, houve o afastamento do Estado e palavras como soberania alimentar viraram pecado, pois a produção de alimentos começou a se ditada não pelas necessidades humanas, mas pelo imperativo de lucro das multinacionais, da ganância especulação especulativa que tomou conta de vários mercados, como o de cereais, com os alimentos sendo tratados como commodities. Esta é uma questão estratégica que precisamos resolver se queremos construir um mundo melhor.
A perspectiva é favorável?
Diria que temos muita luta pela frente, mas estamos cada dia mais fortalecidos, com imensa energia e experiência acumuladas, tanto do ponto de vista sindical, como social e também de governos, muito mais sensíveis e suscetíveis a adotar outro caminho, como é o caso particularmente da América Latina. No Brasil, precisamos fazer a nossa parte enquanto Contac/CUT. No próximo dia 28, a Federação dos Trabalhadores da Alimentação no Paraná e Sindicatos, que reúnem mais de 90 mil trabalhadores do setor avícola realizarão um ato de filiação à Central Única dos Trabalhadores em Curitiba, onde vamos somar ainda mais pressão em favor de mudanças que melhorem a qualidade de vida e trabalho do setor, mas que também apontem para a construção de uma articulação mais pesada, que contemple este horizonte de transformações de que falei.