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Dia Mundial da Saúde: países devem instituir novos modelos de sistemas de saúde que garantam a todo cidadão o direito à vida

Escrito po: Maria Aparecida Faria

06/04/2020

Pandemia do Coronavírus demonstrou a necessidade de mudanças nas políticas econômicas e o desafio urgente de pensar a saúde como direito universal e gratuito e não como mercadoria

 

A referência ao “Dia Mundial da Saúde”, celebrado em 07 de abril, neste momento em que a humanidade se vê acometida de uma pandemia de coronavírus (Covid-19) e, consequentemente, travando uma luta diária e obstinada na esperança de achar soluções que permitam salvar o maior número possível de vidas, traz o desafio prioritário às nações - não só os governos, mas todo o tecido social - de uma reflexão séria sobre os sistemas de saúde que temos hoje à disposição das sociedades e a superação para um modelo verdadeiramente eficaz na sua capacidade de apresentar respostas às situações de tratamento em saúde e que tenha condições de atender de forma equânime toda a sociedade de maneira a preservar o direito mais fundamental e inalienável de todo ser humano, o de ver preservada sua saúde.

 

Podemos iniciar a reflexão com algumas premissas já comprovadas com a instalação da pandemia do Covid-19. A primeira delas, de cunho econômico, é que as políticas neoliberais demonstraram-se incapazes, a priori por sua própria gênese doutrinária e idealizadora do Estado mínimo e da livre iniciativa de mercado, de apresentar respostas às graves crises econômicas cíclicas do capital – e agora vemos que também as de origem sanitárias - e seus graves desdobramentos sociais. É possível afirmar que as doutrinas econômicas do neoliberalismo foram as primeiras vítimas fatais da pandemia de coronavírus. Se as nações desejam mesmo encontrar respostas eficazes para as crises sanitárias e econômicas, que permitam ultrapassar o dilema que vivem hoje, terão que fazer uma autocrítica severa sobre suas doutrinas econômicas predatórias e desumanas. É fato que o rei está nu.

 

A segunda premissa, que está intrinsecamente ligada a anterior por ser a conseqüência obvia do receituário privatista, diz respeito à triste constatação que os sistemas de saúde de todo o planeta não possuem estruturas para apresentar respostas imediatas, consistentes e eficazes capazes de impedir a expansão do vírus e dar suporte e tratamento dignos para seus cidadãos e aos trabalhadores que atuam no combate à expansão do Covid-19, com destaque aos da saúde, fato posto que tem levado à morte um número crescente e inaceitável de pessoas por todo o planeta. É triste ver que o mundo parou não apenas para salvar vidas com as iniciativas de isolamento domiciliar, mas porque os sistemas de saúde mundiais não estavam e não estão preparados para atender as populações. A pergunta urgente: quando estarão?

 

Neste contexto é evidente dizer que o “canto de sereia liberal”, que embalou os países num processo contínuo de consolidação dos sistemas privados de saúde a partir de iniciativas governamentais explícitas de desinvestimentos e sucateamento dos setores públicos, era na verdade um grunhido cujo propósito sempre foi consolidar a falsa idéia da qualidade do setor privado e a desqualificação do público. A falácia foi prontamente desmentida já nos primeiros momentos da pandemia. O caso do sistema de saúde dos EUA, considerado o mais caro do mundo, é o que melhor pode ilustrar isto. A Meca do capitalismo mundial não tem condições imediatas de atender seus cidadãos e estes, por sua vez, se vêem excluídos do atendimento em saúde por conta dos altos custos das redes privadas.

 

Ouçam: não há saídas individuais

 

Dados divulgados na mídia apontam que 27,5 milhões de americanos não têm acesso a seguro de saúde e evitam os hospitais com receio dos custos elevadíssimos. Outros 44 milhões possuem plano de saúde, mas os valores que tem que desembolsar por causa do sistema de “coparticipação” se apresentam como um impeditivo e muitos cidadãos evitam ir ao médico. Ainda com dados da imprensa é possível exemplificar este receio: “26% dos americanos teriam adiado tratamentos médicos nos últimos 12 meses devido aos custos e que 19% deixaram de comprar os remédios indicados por motivos semelhantes”. Muito antes da pandemia já se registravam casos de suicídios de idosos que não conseguiam pagar seus tratamentos de saúde e preferiram tirar a própria vida para se ver livres do sofrimento. A inexistência de um sistema público consolidado e abrangente nos EUA fatalmente fará crescer a contaminação no país. 

 

O caso norteamericano não é o único a não ter respostas adequadas e imediatas ao contágio do vírus. Países com alto grau de contaminação como Itália, França, Japão, Alemanha e Espanha também estão com quadros graves de fadiga nos seus sistemas de saúde e, infelizmente, também não são os únicos. A China, país que primeiro teve problemas com o vírus, superou suas dificuldades iniciais de forma exemplar e contribui agora com a OMS – Organização Mundial da Saúde e outros países, mas também não estava preparada para esta emergência. Sabiamente se mantém em alerta mesmo tendo contido o avanço do vírus em seu território. Hoje, o caminho tomado pelos países está centrado no protocolo de isolamento social estabelecido pela OMS como forma de adquirir tempo no aumento no número de casos para que suas redes de saúde se estruturem visando o tsunami que deve chegar a qualquer momento.

 

A OMS identifica a pandemia como “a crise mais desafiadora que o mundo enfrenta deste a 2ª Guerra Mundial”, por ir além de uma questão sanitária e desestabilizar as economias e as estruturas sociais a ponto de desencadear conflitos. A avaliação pormenorizada da situação está exposta no relatório “Responsabilidade compartilhada, solidariedade global: respondendo aos impactos socioeconômicos da Covid-19”, divulgado em 31 de março. O texto indica a necessidade de solidariedade dos países ricos com os em desenvolvimento para o encontro de saídas integradas. Trecho do relatório descreve que “esta crise humana exige ação política coordenada, decisiva, inclusiva e inovadora das principais economias do mundo – e apoio financeiro e técnico máximo para as pessoas e países mais pobres e vulneráveis.”

 

Ações integradas são, com certeza, uma das medidas para a saída desta crise e de outras que poderão surgir. É consenso entre os cientistas que está não será a última pandemia que o planeta deverá encarar. O degelo ocasionado pelo aquecimento global pode trazer à vida vírus e patologias adormecidas a milhares de anos nas geleiras. A diminuição das florestas leva a que potenciais hospedeiros de vírus letais aos seres humanos se aproximem perigosamente dos espaços urbano e rural. Muitos são os desafios atuais e estabelecer respostas às questões de saúde pressupõe aceitar que elas não podem ser isoladas. É preciso ver as relações intrínsecas, inclusive de nexo causal, entre as questões de saúde, economia, climáticas, as de infraestruturas rural e urbana, políticas sanitárias e habitacionais, saneamento básico, alimentação, higiene, acesso a água potável, geração de renda e empregos, entre tantas outras.

 

“Ainda bem que temos o SUS”, Mandetta

 

Em entrevista concedida a imprensa, no início do contágio do coronavírus no país, o primeiro da América Latina em Zona Tropical a ter a confirmação da presença do vírus, o ministro da Saúde, Henrique Mandetta, usou a frase “Ainda bem que temos o SUS“ para exemplificar o quanto esta política pública é uma ferramenta eficaz na área de saúde. A fala do ministro reproduz a opinião de cientistas, técnicos, entidades representativas e os profissionais da área da saúde que, em conjunto com os movimentos sociais, idealizaram o SUS – Sistema Único de Saúde e puderam vê-lo incluído no texto da Constituição Federal Cidadã de 1988 como política pública de Estado, estabelecida integrando os princípios de universalidade, equidade, integralidade e com descentralização, gratuidade, recursos próprios e a corresponsabilidade e cofinanciamento da três esferas de governo (Federal, Estadual e Municipal).

 

Um avanço extraordinário e extremamente necessário para integrar um país com a dimensão territorial do Brasil e o grande número de habitantes. Mas, como era de se imaginar, tal medida, assim como todas as demais das políticas de Seguridade Social, nunca foram aceitas pelo capital nacional e internacional como direito cidadão. E, desde a promulgação da Constituição, estes recursos são disputados pela iniciativa privada. Some-se a isto o fato que, por meio de jogadas contábeis, os governos sempre se negaram a aplicar os valores estabelecidos por lei de financiamento tripartite, que envolve ainda o empresariado e os trabalhadores. Nos períodos de governos com viés neoliberal o subfinanciamento da saúde atinge picos ainda maiores e coloca em risco a sobrevivência de todo o sistema.

 

Esta postura vem se agravando desde o golpe de 2016 e teve seu ápice com a promulgação da Emenda Constitucional nº 95, do Teto de Gastos, também conhecida como EC da Morte, idealizada pelo ilegítimo Michel Temer, que praticamente congela por 20 anos os orçamentos da saúde e outras áreas sociais ao dispor apenas a correção da inflação do ano anterior. A chegada ao poder do governo ultraliberal de Bolsonaro só fez recrudescer as iniciativas de retirada de investimentos nas áreas sociais e saúde, de emprego, desenvolvimento científico, educacional e as demais que garantem o desenvolvimento econômico e social. Atrelados de forma subserviente aos interesses dos EUA, estes governos levaram o país a um retrocesso inimaginável. Estudos divulgados apontam que apenas em 2019 a área da saúde perdeu investimentos em torno de R$ 20 bilhões.

 

É dentro deste período histórico conturbado de trinta e poucos anos que o SUS se consolidou como uma política pública com resultados em saúde e sociais incontestáveis e que lhe atribuiu reconhecimento internacional. Mesmo passando pelo subfinanciamento inicial, por ataques desde 2016 e o desfinanciamento foi possível erguer e manter uma estrutura por todo país. A sua rede de atendimento tem uma capilaridade invejável e se constitui como uma ferramenta fundamental dentro das estratégias de saúde pública e, principalmente, em caos extremos de pandemia. Em media cerca de 50% das famílias brasileiras são atendidas no Programa Saúde da Família e nas Unidades Básicas da Saúde. É importante lembrar que todo o cidadão brasileiro faz uso de algum tipo de serviço do SUS, sendo que 75% usam exclusivamente estes serviços.

 

O SUS não passou ileso aos ataques desferidos desde 2016, que vem fazendo-o sangrar e já comprometem a sua vitalidade e a amplitude de sua capacidade enquanto sistema, com o sucateamento de algumas áreas, enfraquecimento de programas e ações, eliminação de iniciativas exitosas criadas principalmente na última década, precarização das relações e condições de trabalho, falta de concursos públicos para reposição de mão de obra, entre outros fatores. Suas equipes formadas por profissionais qualificados e competentes garantem qualidade no atendimento em saúde sem descuidar dos protocolos estabelecidos em consonância com a OMS, organismos internacionais e nacionais de saúde e por cientistas, além de atuarem em programas e políticas de prevenção, cuidados, laboratorial, pesquisa e tratamento.

 

O mundo não será o mesmo

 

O país apresenta hoje o menor nível de investimento público dos últimos 50 anos. Os cortes orçamentários e de investimentos destes dois últimos governos na saúde acontecem em políticas consideradas essenciais. A Vigilância Sanitária e Epidemiológica são dois exemplos bem importantes em tempos de pandemia. São áreas da saúde pública que estão totalmente integradas ao cotidiano da vida das pessoas.  O resultado destas medidas pode ser mensurado pelo retorno de doenças vetoriais, como dengue, malária, zika, além de outras, como sarampo, tuberculose e hanseníase. Os profissionais de saúde sentenciam que nas próximas semanas haverá uma conjunção nas ações contra estas endemias e as de combate ao coronavírus. Portanto, conduzindo a uma sobrecarga do sistema de saúde bastante preocupante.

 

A pandemia trouxe o alerta aos setores sociais de olharem para a excelência e importância do SUS para todo cidadão e cidadã como sistema integrado eficaz e capaz de trazer respostas que garantam a prevenção, os cuidados e a tecnologia em saúde e, consequentemente, lhes auxiliem na preservação da vida. A saúde deve ser compreendida como um direito social, universal e irrevogável e um dever dos governos investirem em sistemas públicos estruturando-os e qualificando-os para suprirem as necessidades das populações. No caso do Brasil está posto o desafio maior e mais urgente de recuperar os investimentos necessários para o SUS e demais políticas sociais com a revogação imediata da EC nº 95. Esta bandeira não é política, é humanitária e civilizatória, pois estamos falando de salvar vidas.

 

Tendo a premissa que a saúde não é uma política isolada das demais, é preciso recuperar os investimentos em todas as áreas que possibilitem o crescimento sócioeconômico do país e que se entrelaçam com a saúde para trazer qualidade de vida à população. Saúde se conquista com investimentos em emprego, moradia, educação, ciência, tecnologia, pesquisa, cultura, saneamento básico, agricultura livre de agrotóxicos, segurança, políticas públicas de defesa das mulheres e minorias, entre outras tantas iniciativas civilizatórias. Um destaque importante diz respeito à valorização e os cuidados com os profissionais das atividades essenciais, em especial da saúde, que estão no contato direito com os pacientes e as demais situações de contágio.

 

A pandemia de coronavírus trouxe muitas perguntas e apenas uma certeza: o  mundo não será o mesmo depois que tudo isto passar. Áreas como saúde, economia e política serão afetadas e deverão encontrar respostas para prosseguir com um novo olhar para o planeta. Se os governantes e o capital privado ainda não perceberam isto, a sociedade, sim. A dor e o medo das populações não são os únicos sentimentos que afloraram com a pandemia, cresceu também um dos mais bonitos, o da solidariedade humana. Alguma coisa esta fora da ordem mundial, como aponta a música. Uma nova ordem mundial tem que agregar a solidariedade e as ações e iniciativas compartilhadas. As janelas e os quintais de todo o planeta entrelaçam as muitas esperanças dos que hoje vivem em isolamento e não sabem como será o planeta quando forem às ruas e retomarem suas atividades cotidianas.

 

A própria OMS já sentenciou que não há saídas individuais. Os países terão que pensar coletivamente ou não conseguirão respostas para seus dilemas. Que o Dia Mundial da Saúde traga reflexões e compromissos novos de todas as nações. De imediato, temos a certeza que a classe trabalhadora está nesta vanguarda por um mundo melhor de respostas integradas e coletivas. A todas as categorias profissionais da área da saúde esta data de 07 de abril se configura como uma homenagem ao profissionalismo e a bravura que demonstram todos os dias na linha de frente do combate ao Covid-19 salvando a vidas e trazendo esperanças.

 

 

Maria Aparecida Faria é secretária adjunta de Finanças da CUT – Central Única dos

Trabalhadores, secretária de Saúde do Trabalhador da CNTSS/CUT - Confederação Nacional

 dos Trabalhadores em Seguridade Social e presidenta do DIEESE - Departamento

Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos

 

 

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