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CNTSS > ARTIGOS > GRÉCIA: O TAMANHO DO BURACO

Grécia: o tamanho do buraco

Escrito po: Flavio Aguiar – Rede Brasil Atual

15/02/2012

Para quem se afoga, tanto faz se é num poço pequeno ou no dilúvio universal. A questão se coloca para quem ainda não está se afogando.

A metáfora pode ajudar a entender o que aconteceu com a Grécia.

Inicialmente, nos círculos de poder do mundo das finanças e dos governos da Zona do Euro e adjacências, todo mundo olhava para a Grécia e via um pequeno país de desregrados crônicos se debatendo no pequeno poço, embora sem fundo, que eles mesmos tinham cavado.

Ainda há quem pense assim sobre a Grécia, sobretudo os incautos crendeiros na megalomania do déficit público. Outro dia contaram-me de um bate-boca feroz aqui em Berlim, entre duas senhoras. Uma disse que era bem feito o que estava acontecendo com os gregos, pois afinal eles sempre tinham vivido "acima de seus ganhos". A outra senhora, que tem uma filha trabalhando na Grécia - e que agora pensa em regressar a Berlim - , subiu nas tamancas, dizendo que o povo grego é trabalhador sim e não gastador, etc. Mas o julgamento exarado pela primeira senhora corresponde a um vasto sentimento presente na Alemanha, e explicita ou implicitamente insuflado por grande parte da mídia alemã. "Os gregos cavaram o próprio fosso onde se afogam", e agora, é claro, eles devem pagar, sofrer, purgar, por isso.                                                       

Para o mundo das finanças e da governança, o pequeno orifício grego não poderia de jeito nenhum afetar a Europa como um todo. Afinal, a Grécia era apenas 2% da economia da região. Li tempos atrás um artigo de William Rhodes, ex-diretor do FMI, em que ele relatava (na Al Jazeera) um encontro seu com governantes e financistas europeus, onde os alertara para a gravidade potencial da situação, dizendo que ela iria repetir o que acontecera na América Latina no fim do século passado, e que os europeus precisavam aprender com os latino-americanos, com seus (nossos) erros e acertos. Disse ele que suas palavras foram recebidas com total ceticismo, senão desprezo. "Aqui não é a América Latina, aqui é a Europa", chegou ele a ouvir.

Sim, claro. Aqui não é a América Latina, é a Europa. E o século é o XXI, não mais o XX. Por isso, na verdade, o rombo, no fundo, é bem maior do que era no nosso continente décadas atrás. O que parecia ser um poço de diâmetro pequeno revelou-se um aquífero subterrâneo de dimensões tais que é difícil acreditar no dilúvio que ele pode provocar e já está provocando.

Qual o problema em sua nova dimensão? As políticas de austero arrocho sobre o povo grego não estão dando o resultado esperado. Recentemente até o megainvestidor George Soros disse isso em entrevista, e também o candidato socialista na França, François Hollande. Então os da governança e os das finanças põem a culpa no corpo mole dos políticos gregos diante da feroz resistência das ruas.

Enquanto isso, os números são eloqüentes: em 2008, quando da crise financeira provocada pela falência do Lehman's Brothers e outras instituições financeiras, a Grécia tinha um PIB de 233 bi de euros e uma dívida de 263, ou 113% em relação àquele. Em 2011, depois da "ajuda" recebida, a Grécia fechou o ano com um PIB de 218 bi e uma dívida de 355 bi, ou seja, 163% em relação àquele. Estranha ajuda, que na verdade ajudou a "secar" o país. Talvez devessemos mudar a metáfora: ao invés de afogar-se num poço, a Grécia estaria morrendo de sede no deserto.

Mas fica a pergunta: por que isso aconteceu dessa forma? Por que não se atentou para a gravidade da situação logo que ela começou a se desenhar?

Uma parte da resposta a tal pergunta vem de que antes (a gravidade) ela simplesmente não poderia ser formulada. O mundo intelectual do monetarismo imperante no Consenso de Bruxelas não o permite. Aí entra em cena a outra parte da resposta: o mundo intelectual da governança e das finanças de Bruxelas, Frankfurt e Berlim, é mono-ocular, não é bi-ocular: só consegue enxergar com um olho - que vê a "dívida desregrada" dos povos do "sul" do continente europeu. Não conseguindo ver em profundidade, não discerne o buraco aberto - esse sim ameaçador - do desregramento bancário e financeiro que permitiu que a situação chegasse, de modo insuspeito, a esse ponto.

Comecemos pela própria Grécia: ela deve pagar em letras vincendas em março, 14,3 bilhões de euros.  Entretanto, a dívida da sonegação de impostos pelos setor privado é estimada hoje em 42 bi, ou seja, praticamente três vezes aquela soma. Mas como recolher tal soma, se o governo está progressivamente paralisado? Ora, culpam-se os fiscais, que, não mais recebendo propinas, não estão dispostos a arrochar os devedores. Novamente, temos em ação o mecanismo mono-ocular: os que evadiram receitas para fora do país, ou as ocultaram, ou simplesmente esconderam o dinheiro, esse não estão propriamente na mira da governança ou das finanças.

Mas tem mais: dos 355 bi que a Grécia deve, 71,8 são para bancos europeus. Ou seja, os bancos tornaram-se prisioneiros de seus créditos. Só para bancos franceses a Grécia deve 35,5 bi de euros. Para os bancos alemães, 13,8, britânicos, 8,6, e portugueses 6,5. Ainda há os holandeses (3,1), italianos (2,3) e austríacos (2,0). Nesses montantes estão somados dívidas do setor público e do setor privado. Aqui está o nó do potencial dilúvio.

Se a Grécia reconhecesse oficialmente a falência que todo mundo já sabe que existe, descrevem agora os do mundo das finanças e da governança, haveria uma vaga de pânico que começaria em Atenas e se espalharia pela Europa inteira. No caso de uma falência descontrolada, como se descreve, haveria um cessamento imediato do fluxo de liquidez (esse mesmo que está afogando em seca o povo grego, se me permitem o oxímoro). Isso significa que da noite para o dia pagamentos deixariam de ser feitos, funcionários públicos e demais trabalhadores deixariam de receber salários, e os aposentados, suas pensões.

Isso, temem os da governaça e das finanças, provocaria uma corrida de retiradas nos bancos gregos - logo ultrapassando as fronteiras, porque as suspeitas se voltariam também para os bancos da Europa que têm aqueles imensos "créditos" com a Grécia, e outros "créditos" igualmente de risco com Portugal, irlanda, Itália, Espanha, etc. (e ponha etc. nisso).

Então o que aconteceria? Para impedir os bancos de quebrarem, os governos teriam de por mais dinheiro público, como na crise de 2008, nos seus cofres. Impostos aumentariam, investimentos secariam mais ainda. É a recessão. Esta vem de qualquer jeito, mas atualmente, a conta-gotas, não em catadupas e tsunamis. Ou seja, o que os da governança e das finanças almejam, é manter a seca e o afogamento sob controle. Mas não dete-los.

Conclusão: sim, é verdade que os governos gregos tomaram emprestado o que não podiam. Mas isso é apenas parte da verdade, e como se sabe, às vezes a meia-verdade é mais danosa do que a mentira completa. A outra metade da verdade é que os bancos emprestaram o que não podiam emprestar, por não terem liquidez para sustentar os empéstimos. Todo mundo sabe que o giro de capital bancário é maior do que os depósitos em seus computadores (não mais cofres). Mas a diferença chegou a tal ponto nesse mundo desregulamentado que a conseqüência é a ameaça do dilúvio.

Enquanto isso, o pessoal dos fundos de investimento, ou hedge funds, que têm 70 bilhões de euros da dívida grega pública, se diverte. Porque eles têm seguro em relação à dívida. Se a Grécia quebrar, eles podem até ganhar mais, porque receberiam na íntegra o valor de suas letras, que agora talvez tenham de trocar por letras de mais longo prazo. Quer dizer, se a Grécia ficar e o bicho for comendo, eles vão lucrando; se a Grécia correr e o bicho pegar, eles lucram talvez mais.

E aí, em termos de finanças desreguladas, não estamos mais no buraco; estamos no buracão do dilúvio já cósmico e permanente.

Foto - Manifestante contra medidas de austeridade propostas por governo grego é vigiado por policiais, em Atenas (Foto: ©Yannis Behrakis/Reuters)

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