Valor pago pelas operadoras para ressarcir o governo após um cliente usar a rede pública caiu 32% entre 2007 e 2009
Empresas alegam que lei é inconstitucional, pois saúde é direito de todos; ANS admite fiscalização inadequada
CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO -
O ressarcimento dos planos de saúde ao SUS, que já é pouco, caiu ainda mais. Entre 2007 e 2009, passou de R$ 8,23 milhões para R$ 5,62 milhões -queda de 31,7%.
Uma lei de 1998 determina que as operadoras reembolsem o SUS quando um segurado utiliza a rede pública. Para os planos, porém, a lei é inconstitucional.
A ANS (Agencia Nacional de Saúde Suplementar) é a responsável pela cobrança, após cruzar a lista de pessoas atendidas em hospitais públicos com a lista dos planos.
Mas a própria agência reconhece que essa fiscalização precisa ser aprimorada.
Entre 2007 e 2009, os valores cobrados pela ANS (e não necessariamente pagos ao SUS, já que os planos entram com recursos) caíram de R$ 64,4 milhões para R$ 12,8 milhões-redução de 80,9%.
Uma auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) também mostrou que, em cinco anos, a ANS deixou de cobrar dos planos R$ 2,6 bilhões-mais de R$ 500 milhões por ano. Em 2010, o orçamento do Ministério da Saúde foi de R$ 67 bilhões.
Os planos alegam que a lei é inconstitucional, já que a saúde é um "direito de todos". As operadoras têm recorrido à Justiça para não fazer o ressarcimento e movem uma ação de inconstitucionalidade- ainda não julgada definitivamente pelo Supremo Tribunal Federal.
O faturamento anual do setor da saúde suplementar é de R$ 62 bilhões, com 44,8 milhões de segurados.
DECISÃO POLÍTICA
A queda do ressarcimento dos planos ao SUS consta de levantamento feito pelos pesquisadores Mario Scheffer, da USP, e Lígia Bahia, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a partir de dados da ANS, do Portal Transparência, e do Siaf (Sistema Integrado de Administração Financeira).
"É uma vergonha tamanha ineficiência", diz Scheffer. Para Lígia, professora de economia da saúde da UFRJ, a questão também passa por decisão política da ANS. "Ela está capturada pelo setor regulado [planos de saúde]".
Três dos cinco diretores da ANS são pessoas ligadas a empresas privadas de saúde.
Giovanni Guido Cerri, secretário de Estado da Saúde de São Paulo, diz que hoje as operadoras vivem uma "situação cômoda". "Elas recebem dos seus clientes, mas não têm nenhum custo quando esses pacientes são atendidos na rede pública."
Cerri afirma que é preciso uma mobilização maior dos gestores de todo o Brasil. "Essa distorção tem que ser corrigida urgentemente para não onerar ainda mais os já escassos recursos do SUS."
A advogada Juliana Ferreira, do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), entende que a não cobertura de procedimentos empurra as pessoas com planos para o SUS.