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Aumento de servidores: pecado ou virtude do governo?

02/06/2009

Escrito por: Fonte - Valor Econômico - 28/05/2009*

Aumento de servidores: pecado ou virtude do governo?
•Carlos Lessa


Pelas notícias e pelo tratamento dado a esta questão pela mídia
brasileira e por algumas instituições formadoras de opinião, a ampliação
do quadro de servidores públicos seria um erro estratégico e um pecado
em relação à economia e sociedade brasileiras. Tem sido quase universal
a "denúncia" de aumento dos gastos de custeio da administração federal.
Neste item, a massa salarial do funcionalismo é a principal componente,
sendo resíduo tudo o que é necessário para que os serviços públicos
sejam executados. Por exemplo, a "Folha de S. Paulo", em 17/05, enuncia
que "Lula anula enxugamento de servidores". A atual administração é
acusada de haver cancelado o esforço de enxugamento de funcionários
públicos realizado pela administração FHC, cujo governo teria reduzido o
funcionalismo a 599 mil pessoas, porém Lula elevou, em 2008, para 671
mil. Este contingente, mais os servidores aposentados e militares,
absorvem 5% do PIB.


Este aumento pode ser virtuoso ou pecaminoso. Em 2002, o Ministério do
Meio Ambiente tinha 7.100 servidores e, em 2008, 9.500; em início de
2003, quando presidente do BNDES, ouvi de Marina Silva a declaração
entusiasmada com a contratação de 73 novos analistas de meio ambiente,
qualificados para o exame de RIMAs (Relatório de Impacto do Meio
Ambiente) e fiquei assustado com a exiguidade do contingente. Somente no
BNDES, havia 17 contratos de financiamento para novas usinas
hidrelétricas paralisados por ausência de exame do MMA. É quase
universal a queixa quanto à lentidão dos pareceres ambientais. Este é um
dos retardadores do PAC. Como reitor da UFRJ, conheci de perto os dramas
de falta de pessoal e complemento de custeio para ampliar e melhorar os
programas docentes. Cursos premiados com avaliação máxima só dispunham
de professores com mais de 50 anos; inexistiam jovens professores
auxiliares de ensino cuja qualificação e assimilação de padrões
permitiria a continuidade e preservação da qualidade e fecundidade do
curso. Entre 2002 e 2008, cresceu o número de servidores na educação,
com 14.100 novos quadros. Este reforço oportuno é "uma gota d`água" nas
necessidades educacionais brasileiras.


Em avaliação de gasto com pessoal e outros itens de custeio, deve ser
examinado se o crescimento foi com atividades-meio ou com
atividades-fim. Se os 14.100 novos servidores da educação fossem para
atividades-meio (planejamento, controle de execução, administração de
material, etc), haveria uma macrocefalia e continuidade de fraqueza e
insuficiência operacional no ensino público. Tenho certeza que, em sua
imensa maioria, os novos servidores são professores e auxiliares
técnicos nos estabelecimentos oficiais de ensino do governo federal, que
continua com dramática falta de pessoal.

A Constituição de 1988 declara que "a saúde é um direito do cidadão e um
direito do Estado". É impossível garantir minimamente o direito à saúde
sem ampliar substantivamente os quadros públicos de pessoal médico. As
unidades de saúde se ressentem da falta de pessoal em praticamente todo
o território nacional.

O Brasil é um dos países do mundo que têm menor proporção de servidores
federais por mil habitantes. Alemanha, França, Inglaterra, Japão e EUA
têm percentagens que vão de 6,1% a 38,5% da população; o Brasil tem
apenas 5,3%.

Segundo a "Folha", os gastos anuais do governo federal com pagamento de
juros terão tido uma redução de R$ 40 bilhões entre abril de 2006 e
fevereiro de 2009; neste período, as despesas com pessoal cresceram
cerca de R$ 40 bilhões. É óbvio o mérito da ampliação das políticas
públicas em relação ao vazadouro de juros. Como reitor da UFRJ,
necessitava de novas obras (investimento), porém estive desesperado com
a falta de professores. Coloquei a placa de inauguração do Centro de
Medicina Nuclear mas não consegui número de pessoal para operá-lo
adequadamente. Qualquer diretor de escola pública irá viver este tipo de
carência. O investimento público é fundamental, mas para ser utilizado
exige ampliação de custeio. Nada é mais prioritário para o país do que
manter e operar adequadamente os bens públicos. Por exemplo, todos os
anos morrem no Brasil, em acidentes de trânsito e de tráfego, quase 50
mil irmãos (o total de americanos mortos nos dez anos de conflito com o
Vietnã foi apenas pouco superior); 300 mil são hospitalizados, ficando
em leito nove dias, em média; dezenas de milhares ficam com sequelas. No
Japão, o número de acidentados por mil veículos é 1/6 dos números do
Brasil. É visível que a prioridade, no Brasil, seria conservar as
rodovias existentes, aumentar a segurança (inclusive com a contratação
de novos policiais) e reformular os sistemas de transporte coletivo
urbano e metropolitano, evoluindo da modalidade automotora para o
transporte sobre trilhos. Além da redução de mortes estúpidas, da
"produção" de portadores de deficiência, das incontáveis horas de dor e
medo, se, no Brasil evoluíssemos para um índice próximo ao japonês,
estaríamos ampliando as vagas no sistema médico-hospitalar. Entretanto,
nos anos FHC e nos dois mandatos de Lula foi crônica a insuficiência de
verbas de manutenção rodoviária, mas ausente do noticiário e do
contencioso sequer a discussão sobre a urgência de reforma do sistema
circulatório metropolitano.

A partir de 2006, houve alguma recuperação salarial em diversas
carreiras do serviço público federal. As políticas públicas precisam de
pessoal qualificado, deve haver algum estímulo para a progressão na
carreira do servidor e um horizonte à aposentadoria digna. Estas são
regras criadas pelo "public service" na Grã-Bretanha no Século XIX. Logo
após a Revolução Francesa, a visão aperfeiçoada da instituição
democrática considerou o funcionário público um servidor do Estado e da
nação e não um assalariado a serviço do governante do momento. O acesso
por concurso público, a estabilidade do vínculo empregatício, a
estrutura das carreiras e a segurança da aposentadoria compõem as
exigências que diferenciam o servidor público do assalariado empregado
privado. Em economias de mercado, o setor privado paga mais ao
assalariado do que ganha o servidor em função equivalente. Na crise, o
setor privado desemprega e "lava as mãos", como Pilatos. O salário do
servidor é uma certeza para o "mercado" e lhe atenua a crise.
Naturalmente, a estabilidade, depois de três anos de estágio probatório,
do servidor concursado gera inveja e dá suporte à tese de "contenção do
gasto público". Debilitar o Estado num cenário de crise é enfraquecer a
instituição que pode superar e consertar os desvios da economia de mercado.

•Antônio Carlos Lessa é professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) desde 1997. Possui graduação em Relações Internacionais (1991), mestrado (1994), doutorado (2000) em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e estudos pós-doutorais pela Université de Strasbourg, França (2008-2009). Atualmente é Editor da Revista Brasileira de Política Internacional (RBPI) e de Meridiano 47 - Boletim de Análise de Conjuntura em Relações Internacionais, publicados pelo Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI).
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