Na semana passada, a maior rede de varejo de roupas femininas do mundo, a espanhola Zara, foi foco de notícias sobre utilização de mão-de-obra escrava na capital e no interior de São Paulo. As investigações são da Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE-SP), junto ao Repórter Brasil. Em junho passado, foram apreendidas quatro oficinas de costura clandestinas que mantinham trabalhadores bolivianos e peruanos em condições precárias de trabalho, na produção de blusas, calças e vestidos.
Em uma das oficinas de fabricação de blusas, o dono recebia R$ 7 por peça fabricada, enquanto os trabalhadores recebiam de R$ 2 a R$ 3 por item costurado. Uma blusa semelhante, fabricada originalmente na Espanha, é vendida a R$ 139.
Ao todo foram encontrados 16 trabalhadores não regularizados, incluindo uma adolescente de 14 anos, contrariando o código de conduta da Inditex, dona da marca. Os trabalhadores foram libertados de escravidão contemporânea de duas oficinas - uma localizada no Centro da capital paulista e outra na Zona Norte.
Segundo o Repórter Brasil, o primeiro flagrante aconteceu em maio, na cidade de Americana, interior de São Paulo. Na ocasião, 52 trabalhadores foram encontrados em condições degradantes; parte do grupo costurava calças da Zara. As informações puderam ser liberadas agora para não prejudicar os trabalhadores e o processo de fiscalização.
As denúncias foram diversas: para sair das oficinas, que também serviam de moradia, os trabalhadores precisavam pedir autorização, o que caracteriza cerceamento de liberdade. As contratações eram feitas de maneiras completamente ilegais, havia exploração do trabalho infantil, condições degradantes, jornadas exaustivas de até 16h diárias.
As normas referentes à Saúde e Segurança do Trabalho não eram respeitadas. Sujeira, ambientes apertados, sem ventilação, sujos, com crianças circulando entre as máquinas de costura e a fiação elétrica toda exposta. As poucas janelas estavam sempre fechadas e com tecidos escuros para impedir a visão do que acontecia do lado de dentro das oficinas improvisadas.
Até atitudes de discriminação étnica foram encontrada pelos auditores do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que disseram ser o tratamento dispensado aos indígenas quéchua e aimará bem pior que ao dirigido aos não-indígenas.
Ganância da empresa
Os salários recebidos pelos trabalhadores variavam de R$ 274 a R$ 460, valores vergonhosamente abaixo do salário mínimo vigente no Brasil, de R$ 545. Isso só comprova que a motivação da empresa, ao agir desse modo, é aumentar a margens de lucro. “Com isso, há uma redução do preço dos produtos, caracterizando o dumping social, uma vantagem econômica indevida no contexto da competição no mercado, uma concorrência desleal”, afirmou ao Repórter Brasil Giuliana Cassiano Orlandi, auditora fiscal que participou de todas as etapas da fiscalização.
Em resposta, a Inditex classificou o episódio como um caso isolado de “terceirização não autorizada”. Segundo a própria Inditex, sua cadeia de produção possui mais de 7 mil trabalhadores e mantém relações como ao menos cerca de 50 fornecedoras que produzem para a Zara no Brasil, sendo submetidos a auditoria regularmente.
A Zara tem mais de 120 lojas distribuídas por 80 países, representando cerca de dois terços das vendas globais da Inditex. São mais de 100 trabalhadores contratados. Aqueles encontrados em condições de escravidão disseram trabalhar das 7h30 às 20h, com uma hora de almoço, de segunda à sexta-feira. Aos sábados, o trabalho seguia até às 13h. Um trabalhador chegou a relatar que há dias em que o trabalho se estende até as 22h.
A equipe de fiscalização foi composta por dois agentes da Polícia Federal (PF), integrantes do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas - da Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, auditores da SRTE/SP e dirigente do Sindicato das Costureiras de São Paulo e Osasco. A fiscalização lacrou a produção e apreendeu parte das peças, incluindo a peça piloto da marca Zara. Máquinas de costura também foram interditadas por não oferecerem segurança aos trabalhadores.
A Zara foi avisada do flagrante no momento da ação pelos auditores fiscais e convidada a ir até a oficina de costura, mas não compareceu. No dia seguinte, compareceram à sede da SRTE/SP dois diretores, que não quiseram participar da reunião de exposição dos fatos,. Até o advogado da empresa foi embora sem ver as fotos da situação encontrada.
Após os flagrantes, os trabalhadores compareceram à SRTE/SP, onde foram colhidos depoimentos e emitidas as carteiras e as guias de Seguro Desemprego para Trabalhador Resgatado. Parte das vítimas já havia dado entrada na documentação obter o visto de permanência no Brasil.
C&A assinou pacto
No início deste ano, a rede varejista C&A assinou o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo com 40 fornecedores. É a primeira empresa do setor a assinar o compromisso. Assim, a C&A dá o exemplo, se comprometendo com a monitoração de suas cadeias produtivas. A atitude foi tomada após denúncias ocorridas em 2006, quando imigrantes trabalhavam produzindo roupas para a multinacional, em condições degradantes de trabalho.
Além do pacto, a C&A mantém, desde 2006, sistema próprio de auditoria na rede de fornecimento que a atende, por meio da Organização de Serviço para gestão de Auditorias de Conformidade. As vistorias são feitas de forma aleatória e sem agendamento, para coibir qualquer tipo de uso de mão-de-obra irregular.
Outras marcas que escravizam
As redes de lojas Pernambucanas e Marisa também já foram denunciadas por procedimentos semelhantes aos da Zara. A primeira em abril deste ano, a segunda em março de 2010, ambas flagradas também pela SRTE-SP, em parceria com o Repórter Brasil.
Desde o aliciamento de imigrantes sul-americanos até a exploração dentro das lojas. Trabalhadores sem registro em carteira, salários abaixo do mínimo praticado à época, ambientes insalubres e sem condições básicas para segurança do trabalho, longas jornadas. E assim, muitas outras empresas, nacionais e multinacionais, do setor de confecções, devem estar, nesse momento, escravizando imigrantes com a garantia do anonimato.
A CONTRACS parabeniza o trabalho da SRTE-SP junto ao Repórter Brasil e orienta consumidores a ficarem atentos, pois a escravidão pode estar por trás de uma simples atitude de consumo, como comprar roupas em shopping.
“Se existe essa posição para o trabalhador na cadeia produtiva, existe discordância com a Legislação Trabalhista. Os casos precisam ser seriamente investigados condenados”, diz a presidenta da COTRACS, Lucilene Binsfeld.