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29/05/2012
Para a médica do trabalho Margarida Barreto, o endurecimento nas relações entre empregador e funcionário provoca desprazer e barra a criatividade do trabalhador, além do seu adoecimento
O estresse provocado pelas jornadas prolongadas e crescentes exigências por metas no trabalho interferem além da saúde, na vida familiar, na avaliação da médica do trabalho e pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Margarida Barreto. Categorias de trabalhadores acostumados a viver sob pressão ou de grande exigência – como os psicólogos, assistentes sociais e profissionais da saúde em geral – buscam a redução de jornada de trabalho por meio de projetos de lei em trâmite no Congresso e também por mobilizações públicas junto aos sindicatos.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) recomendam uma jornada máxima de 30 horas para estes casos, e centrais sindicais fazem coro ao pedido. No entanto, ainda há resistência dos setores públicos e privados em adotar as medidas, que podem reduzir a incidência de doenças adquiridas no trabalho e melhorar o desempenho e produção do funcionário. Em entrevista, Margarida relaciona a decisão das empresas em não reduzir a carga horária com um possível receio de ter de forçar gastos para aumentar o quadro de funcionários para suprir as lacunas das jornadas.
A intensidade do problema é visível: dados da Previdência Social mostram que no período de janeiro a março de 2012 foram 511.564 auxílios-doença concedidos. O número representa pouco mais de dez mil pedidos ante o total do mesmo período no ano passado. À medida em que surgem mais vagas de emprego, segundo a médica, mais se torna indispensável a discussão sobre a qualidade dele para o trabalhador.
Quais os efeitos de uma jornada longa em uma profissão estressante?
A questão da saúde é fundamental. Primeira coisa é que as consequências de um trabalho sob estresse independe de categoria, de ser homem ou mulher. Tudo leva a uma fadiga mental e física, e consequentemente a diminuição da capacidade de produzir. E, claro, o patrão insiste em não diminuir a jornada porque acha que seus gastos vão aumentar tendo de contratar novos trabalhadores. Isso é um engano total.
Um trabalhador que exerce uma jornada prolongada tem de produzir cada vez mais e não pode cair de cama. Ele acaba adoecendo justamente por conta disso. É uma rotina insuportável, e leva não só ao cansaço mas também a outras complicações, como doenças gastrointestinais como as gastrites, e psicológicas, como o desânimo, pesadelos, angústia. O trabalhador muitas vezes se sente incapaz de dar conta daquilo que lhe é imposto, quando na verdade é desumano. Um terreno permeado de contradições. É mais do que justo esta reivindicação dos trabalhadores na questão da redução da jornada e, associado a isto, vem a questão da estabilidade no emprego.
Qual a argumentação que trabalhador pode dar quanto ao que é submetido?
Eu acredito que a argumentação deve estar embasada não só nas questões de saúde, não só na questão ética. Um trabalho prolongado e denso é fonte de desprazer, de sofrimento. Barra a criatividade do trabalhador e possibilita um maior índice de acidentes e de adoecimento.
Qual seria a alternativa para o trabalhador que não vê a saída da redução da jornada e também não encontra respaldo na lei?
A alternativa está nas lutas que exijam como um todo mudanças na organização de trabalho. Quando você pensa na jornada, ou nas horas-extras, está dentro do acordo de trabalho.
Mudar significa possibilitar a este trabalhador, fazer seu serviço de forma digna, sem estresse, com autonomia. Se eu tenho uma relação com o empregado que só exige metas cada dia maiores e não dá possibilidades de micropausas quaisquer, não dá para esperar muito. Não querendo ser saudosista, mas antes os trabalhadores tinham ao menos a chance de sair para fumar um cigarro, bater um papo com um colega. Hoje você não tem esta possibilidade, porque poucos trabalhadores devem cumprir o que foi estipulado. Passa a ser um luxo pensar em conversar com o colega do lado.
Não ter tempo sequer para relaxar, para dar um bom dia sequer ao companheiro de trabalho, complica. Nas grandes empresas, apesar do ambiente bonito e clean, já são ambientes pesados. Imagine então numa terceirizada, por exemplo. É sobrecarga, exigência, e exploração cada vez maiores. Isto acaba tendo repercussões até dentro da vida familiar.
Falando em funcionários terceirizados, a rotina de um funcionário de call center, por exemplo, é totalmente controlada pelos empregadores. Inclusive os momentos de pausa, que são poucos... este modo de se relacionar com os empregados virou uma tendência?
Claro, e é chocante pensar que em pleno 2012 ainda vemos por aí problemas com intervalos até mesmo para ir ao banheiro. Geralmente, estes funcionários só podem ir quando tem alguém para cobrir o serviço no seu lugar. Uma hora a situação entra em colapso. A forma atual de pensar políticas para as empresas levam em consideração o período de crise, um pensamento neoliberal. Pensa-se na quantidade de trabalho, mas não no indivíduo. Todas as mudanças econômicas no mundo se refletem na questão do trabalho, e quem sempre paga a conta da ganância é o trabalhador.
Desde o momento em que ele é não somente superexplorado, mas quando ele só vale para a empresa enquanto tem saúde. Mas nesta condição, me diga: como ele pode manter a saúde? Há uma contradição.
Certa vez, um trabalhador químico me disse algo que vale muito para o agora. Ele reclamou que a luta não é só pelos salários, mas pela manutenção do trabalho. A preocupação de conseguir se manter no emprego. Esperava que não chegássemos a este ponto, mas chegamos.
E é um desafio aos sindicatos...
É um desafio para cada categoria, aos trabalhadores como um todo. É estar vendo não só a questão de saúde em si, mas o que está causando a deteorização da saúde dos trabalhadores. Por que há uma destruição cada vez maior das relações de trabalho? Se não tem saúde, ele (o trabalhador) vai perder o emprego. E vai ter uma relação de precaridade dentro da própria casa. É um efeito dominó.
Há uma discussão quanto ao crescimento constante do emprego e, ao mesmo tempo, a preocupação sobre a qualidade deles ao trabalhador. Como você vê o assunto?
É uma questão que me incomoda muito ultimamente esta do pleno emprego. Aí eu pergunto: que pleno emprego é este que os trabalhadores estão tendo e adoecendo cada vez mais? É um ciclo depressivo tanto na questão do sistema capitalista mundial, mas também das relações de trabalho. Para mim, a coisa é muito crítica e exige enquanto movimento organizado pensar além. Não é só esta a discussão, tudo envolve um sistema político. Se eu fosse resumir em uma palavra, eu diria que nunca foi tão necessário construir uma nova sociedade com um novo olhar, que não dê privilégio a um grupo de famílias que comandam o planeta.
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