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As incógnitas do Ficha Limpa

02/09/2011

Escrito por: Fonte – Carta Capital

Clara Roman

A chamada “politização” do Supremo Tribunal Federal (STF) pode fazer com que a lei da Ficha Limpa, aprovada pela Câmara dos Deputadas e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010, caia para sempre. É o que afirma Roberto Romano, professor de Ética Política da Unicamp. Em março, o STF não sancionou a aplicação da lei, que valeria apenas para as próximas eleições, em 2012.

No entanto, assim que a decisão foi tomada, novas ações entraram em pauta, colocando em xeque a aplicação de uma lei apresentada por iniciativa de dois milhões de brasileiros e que impediria que “aquelas pessoas que são conhecidas por se apropriar indevidamente do erário público” subam ao poder, como definiu o próprio Romano.

O ministro Luiz Fux, o voto de Minerva na última votação, é justamente o relator das ações. De um lado, há os que contestam a validade da lei somente a partir de 2012. Querem a aplicação da norma já. É o caso do Partido Popular Socialista (PPS), que entrou com uma Ação Declaratória de Constituconalidade argumentando que a lei não fere o princípio da presunção de inocência - como argumentam os contrários ao projeto - nem o da irretroatividade. Segundo a defesa do partido, portanto, a lei poderá valer para crimes de políticos cometidos antes da aprovação da lei.

Do outro lado, está a Confederação Nacional das Profissões Liberais, que afirma ser inconstitucional o preceito da lei que declara inelegível quem for excluído do exercício da profissão por decisão do conselho profissional. Fux afirma que, devido à sua relevância, a questão deve ser julgada definitivamente antes do início do exercício eleitoral de 2012.

Indicados pelo Executivo e submetidos ao contexto político vigente, o voto dos ministros estará submetido ao próprio lobby que hoje é marca dos fóruns legislativos, analisa Romano. “São 11 juízes com visões bastante conflitantes.Você não tem uma magistratura homogênea”, afirmou. Assim, o lado que fizer mais lobby deve ganhar, explica ele. Outra questão decisiva é a saída da ministra Ellen Gracie, que votou a favor da validade da lei. Agora, é esperar para ver a próxima indicação.

“A Ficha Limpa dará ao eleitor a certeza mínima de que o candidato não é useiro e vezeiro de meter a mão nos cofres públicos”, diz Romano. O filósofo acredita que, sem mecanismos de controle - como o Ficha Limpa - e com a sucessão de escândalos que surgem no mundo político, o risco é que a democracia seja colocada em dúvida pela própria população. “O sistema democrático está entrando em rota de colisão com a confiança no regime democrático”, diz ele. Um fenômeno cada vez mais comum é que pessoas admitam preferir regimes ditatoriais, tamanha é a falta de confiança nos fóruns democráticos. A regulamentação do lobby e o fim do Foro Privilegiado seriam os primeiros passos para que o eleitor voltasse, aos poucos, a acreditar nas instituições republicanas, segundo Romano.

Se aprovada a lei da Ficha Limpa, partidos mais fisiológicos teriam uma redução natural de seus quadros. O PP, por exemplo, teria apenas 4 dos atuais 41 deputados com condições de assumir o mandato. PR, PTB e até mesmo o gigante PMDB teriam de selecionar melhor os seus quadros, analisa David Fleischer, cientista social da UNB.

PT e PSDB, no entanto, poderiam se beneficiar da proposta. “PT e PSDB não têm motivos para temer o Ficha Limpa”, diz Romano. “Apesar de problemas históricos, não é a norma geral de comportamento políticos ‘ficha suja’”.

Escolhas com mais critério devem ser aplicadas também no Executivo, diz Fleischer. Há uma tendência de se aplicar a lei para as nomeações de segundo escalão. “Isso seria outra revolução”, afirma. “O novo governador de Brasília já aplicou Ficha Limpa, alguns Estados e Municípios estão seguindo isso,” comenta.
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