Percepção de um Congresso mais sensível às reivindicações das lideranças negras vai levar o grupo a profissionalizar-se. Revisão de pontos do Estatuto da Igualdade Racial e inclusão de negros em partidos políticos são prioridades do movimento.
O crescimento do número de deputados negros, que passou de 12 para 22, e a conquista de maioria na Câmara e no Senado pelos partidos de centro-esquerda aliados ao Governo Lula mudaram a postura do movimento negro em relação ao Legislativo.
Antes descrentes nos parlamentares, pela retirada das cotas e outros pontos do Estatuto da Igualdade Racial (que entrou em vigor no último dia 20), lideranças negras agora querem intensificar e profissionalizar o relacionamento com o Congresso. Eles acreditam que uma Câmara com mais parlamentares filiados a legendas de centro-esquerda é mais receptiva às bandeiras defendidas pelo movimento negro.
Edson Santos: combate ao racismo não é questão partidária
“O fato de ter um número maior de deputados e senadores de centro-esquerda nos deu esperança. Antes das eleições, a estratégia do movimento negro era esquecer de vez o Legislativo e buscar os avanços no Executivo. Fechadas as urnas, vamos redimensionar a atuação no Congresso”, disse o diretor-executivo da Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro), Frei David Raimundo Santos.
Já o deputado Edson Santos (PT-RJ), que já foi secretário de Políticas de Promoção de Igualdade Racial do Governo Lula, é cauteloso em relação ao novo Congresso. “O combate ao racismo ultrapassa a questão partidária, portanto a simples composição da Câmara não significa que a questão racial vai ter um bom andamento no Legislativo”, avaliou. O deputado disse que prefere aguardar o início do próximo mandato para avaliar melhor o comportamento parlamentar.
Profissionalização
Uma das mudanças de postura em relação ao Congresso, segundo Frei David, é a busca por profissionalização. Ele disse que está sendo estudada uma proposta para que as entidades negras se unam e contratem assessores para negociar com os deputados e senadores as propostas de interesse do grupo, como já ocorre com diversos setores da sociedade.
“Assim como os ruralistas e os donos de universidades particulares têm uma atuação forte em defesa dos seus interesses, decidimos que a comunidade negra também tem de se profissionalizar nesse mesmo nível para buscar os seus direitos”, disse o diretor-executivo do Educafro.
A medida foi considerada positiva pelo deputado Edson Santos. “A contratação de técnicos que conheçam a lógica da atuação do Legislativo vai ajudar muito no diálogo com os parlamentares”, opinou.
Mudanças
O diretor-executivo do Educafro disse ainda que o movimento quer rever pontos do Estatuto da Igualdade Racial para que o texto seja mais impositivo. É o caso, por exemplo, da instituição de cotas. O texto atual permite que as administrações públicas instituam políticas de ação afirmativa, mas não obriga que isso seja feito.
No entanto, o ministro da Secretaria de Políticas de Promoção de Igualdade Racial, Elói Ferreira de Araújo, defende que o estatuto já cumpriu a sua missão nesse primeiro momento. Segundo ele, o texto precisa de regulamentação, não de alterações legislativas. “O estatuto é um diploma de ação afirmativa, que nos permite avançar em todas as políticas públicas. A sociedade precisa conhecer melhor e se apropriar do texto, para conhecer o rigor e a força desse documento e fazer valer os direitos”, defendeu o ministro.
Além de alterar o Estatuto da Igualdade Racial, o movimento negro quer fortalecer a relação com o Legislativo de olho na Reforma Política, que deve retornar à agenda dos próximos quatro anos. A intenção é instituir cotas para negros nos partidos políticos, nos mesmos moldes da norma estabelecida no ano passado pela minirreforma eleitoral (Lei 12.034) que obriga os partidos a dividir suas candidaturas entre homens e mulheres, de forma que nenhum dos gêneros ocupe menos que 30% das vagas.
“Vários partidos não investiram em nenhum negro nas eleições deste ano. Fizemos um levantamento e constatamos que o DEM e o PSDB não têm qualquer deputado federal ou senador que se declare negro eleito neste ano”, criticou o diretor-executivo da Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro), Frei David Raimundo Santos.
Foto - Arquivo - J. Batista
Reportagem - Carol Siqueira
Edição - Marcos Rossi