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Brasil - Cuidar de si e dos outros

Escrito po: Fonte - Adital -

31/08/2009



•Selvino Heck


Era voz corrente nos anos setenta e oitenta, entre os lutadores da causa da transformação e militantes sociais, que não havia tempo suficiente para tudo que era preciso fazer. Ou, que era necessário fazer tudo ao mesmo tempo. Que a luta era o mais importante, a organização do povo e dos trabalhadores, a educação popular. A revolução aconteceria logo ali adiante, a mudança estava na esquina. Família, problemas pessoas, sobrevivência, saúde quase sempre ficavam em segundo plano, eram para depois. A militância acima de tudo.

É do que lembrei e tem me passado pela cabeça desde quando recebi mensagem via celular: "Mais uma grande perde na e da RECID. Hoje de madrugada o Agenor do Pará faleceu. Favor avisar os Estados. Andréa."
Agenor do Carmo Barbosa, 41 anos, 7 filhos e mulher grávida, sofreu um AVC e não resistiu. Como lutador e militante iniciou nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) de Bujaru, Pará, e fazia parte da Rede TALHER de Educação Cidadã (RECID), espaço de mobilização social, formação e educação popular construída a partir do Fome Zero e ligada ao Gabinete do Presidente da República, desde o seu início em 2003. Estava presente em tudo: lutas populares, mobilizações sociais, partido.

Encontramo-nos pela última vez no Fórum Social Mundial em Belém, janeiro de 2009. Na noite anterior ao seu término, a Rede fez uma animada festa na escola onde todos se hospedavam nas salas e salões, um tanto precariamente. Depois da meia noite, sentamos no lado de fora do espaço onde estávamos, conversamos sobre uma série de coisas, bebemos. Foi a última vez.

Converso com a Graça Ganzer, da Rede do Pará, que me diz: "Ele olhava mais pros outros que pra si!"

Telefono para Rosângela Santos, também da Rede do Pará, no esforço de dar consolo nestas horas em que a palavra já não consola, mas pelo menos se ouve a voz de alguém tentando dar expressão ao inexprimível. Diz-me que a morte parece tornar-se quase banal, na correria da vida. "A vida é como uma vela acesa, um sopro qualquer, coisa que pode acabar a qualquer momento". E recordava a contribuição do Agenor às lutas populares, à Rede, ao PT, sua presença ativa, sua família, seus amigos e companheiros.

É preciso dar tempo ao tempo e tentar se recuperar, diz Rosângela. E continuar. "Estamos indo pra rua recolher assinaturas para a campanha da PEC 47, para reforçar no Congresso a votação do acréscimo na Constituição do direito humano à alimentação. É uma forma de tentar superar. Agenor ia querer que a gente fizesse isso."

A vida tem sido muito dura nos últimos tempos. Ausências várias, repetidas, inesperadas, absurdas, inaceitáveis. Perdas e ausências que moem o coração e a alma, deixam um vazio impossível de preencher, deixam mais que saudade.

Agenor olhava mais para os outros que para si. Como muitos/as lutadores/as e militantes fazem todos os dias, e por semanas, meses, anos, décadas, ainda hoje. Não precisa ser necessariamente assim, embora seja imprescindível resistir ao individualismo egoísta dos tempos neoliberais, onde ninguém olha para os outros, cada um só olha para si, pouco se preocupando com o que vai além de seu muro ou o que acontece no outro lado da rua.

Não é o caso, é certo, de olhar menos para os outros, para quem mais sofre, para quem não teve oportunidades na vida, para quem sempre foi discriminado e esquecido. É certo, porém, olhando os outros, os pobres e trabalhadores, velando por eles, cuidando-os, não esquecer-se de si próprio. Cuidar de si é uma forma de cuidar dos outros. Porque uma vez ausente definitivamente ninguém pode cuidar mais dos outros, a não ser pelo exemplo e pela memória. Ninguém é eterno. Por isso, é preciso cuidar de si próprio para durar mais para mais e melhor poder cuidar dos outros.

Agenor cuidou menos de si, cuidou muito dos outros. Soube doar-se sempre, foi generoso, foi amigo, amou muito. No seu exemplo, que todos e todas se cuidem, sejam amigos/as e companheiros/as, sejam solidários/as entre si e solícitos/as consigo mesmo, com seu corpo, seu espírito, suas necessidades, seus amores.

Assim, Agenor, como tantos lutadores e militantes, como Elton Brum da Silva, sem-terra assassinado estes dias pela Brigada Militar numa desocupação de terra em São Gabriel, Rio Grande Sul, vive e viverá!

•Assessor Especial do Presidente da República do Brasil


Fonte - Adital -

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